A vergonha
Ela estava quieta, e
no meio de todas aquelas pessoas ainda submergia a ansiedade de seus
dedos, pernas e alma. Era só mais um domingo.
Na calma
exteriorizada vibravam as pálpebras agoniadas. Sentou na cadeira
mais distante de todas, suportou a própria presença, ninguém se
atreveu a aproximar-se, era só ela inquieta em pensamentos e
complexos. Como não se bastava, tentava manter diálogos prolongados
consigo mesma, mas silenciosamente tecidos. Não se entendia o
suficiente e sentia medo do não compreender-se. Foi, então,
interrompida por si mesma por 10 vezes nesse bate papo, colocando a
mão fechada para apoiar o queixo e desabafar com um suspiro de
cansaço. Era de um cansaço mental que exauria todas as suas
energias, e ela sabia que não tinha nenhum controle. Ela buscava na
normalidade um descanso para esse ritmo áspero de pensar.
Olhou em volta e aos
poucos as pessoas começavam a se mover mais para perto dela. Mesmo
assim, ela parecia areia do deserto, com a facilidade de esvair com a
força de um sopro. No meio de tantos iguais entre si, ser diferente
é motivo de sarcasmo. Nada importava além da própria peculiaridade
de ser quem era. Apesar de ser o maior defeito dela, era também quem
a tornava aquela tão única. Por enquanto, o silêncio de fora não
combinava com o barulho de dentro. A salvação era ser assim, a
completude de não ser comum.
Foi quando uma
segunda pessoa tentou um contato, um sorriso amigável. A troca de
delicadeza foi natural e a fez parecer menos agitada no interior de
si mesma. E agora? Se questionava se a miserabilidade de seus roxos
iriam interferir numa conversa não planejada.
Ele se aproximou
mais e sorriu novamente. Ficou frente a frente. Olhou naqueles olhos
amendoados e disse: tá tudo bem aí nesse seu silêncio? Quer
conversar?
Os olhos castanhos
se arregalaram espontaneamente, depois se fecharam suavemente até
exprimir uma resposta: talvez o meu silêncio combine com o seu de
alguma forma. Os dois riram e continuaram a se olharem curiosos.
Naquele espaço
haviam tantos iguais, mas esses dois seres donos de suas próprias
autenticidades se encontraram, estavam lá, rindo por fora, rindo por
dentro. Eles se compreendiam, sem discutir. A moçaolhava para ele
entre os próprios cachos e o tempo se apressava em passar. Ambos
sabiam que para afinar as notas era preciso interagir.
De repente, todos
começaram a rir de alguma coisa dita pelos mais desenvoltos, mas os
dois não estavam a prestar muita atenção. Então ele questionou: O
que será que fez tudo aquilo? Mas não soube responder. A única
coisa a se fazer era prestar atenção ao que vinha depois do
primeiro temor. Os roxos faziam a dignidade estremecer. Quebrou-se a
interação e ficou a apreensão. Encabulada, fitou o grupo.
Dentro dela havia
muito complexo, e mesmo que não fosse sobre ela, ainda sentiria como
um golpe no estômago. No meio de diferentes seres mascarados em
formas tão iguais, ela era purpurina que voava, fluía, e não era
capaz de entender que a sua leveza era como um mar de profundezas.
Ela sabia das dores de ser diferente, mas ainda não tinha
aprendido a ser paciente com o outrem. Ela não entendia que era vão
cobrar do outro algo que eles não viveram em suas próprias peles.
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