Se puder, cor, se não puder, colore mesmo assim.




“É preciso variar, se não tivermos cuidado a vida torna-se rapidamente previsível, monótona, uma seca.”
 


[Nota]

“Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores que vemos não passam de ilusões e enganos que só serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo com não tendo mãos, nem olhos, nem carne, nem sangue, como não tendo nenhum dos sentidos, mas acreditando falsamente possuir todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se por esse medo, não estiver em meu poder atingir o conhecimento de nenhuma verdade, pelo menos estará em meu poder fazer a suspensão de meu juízo [...] Posso duvidar de tudo, mas tenho certeza de que estou aqui, pensando, duvidando. Sou um ser que duvida, que pensa.

(...)


Uma garotinha apressada com seus passos chegou à porta do senhor Stuart, e disse-lhe, “O senhor está aí faz muitos e muitos anos, tanto mais que os meus dedos. O senhor poderia me ajudar? Ajuda-me com um balão?”. 

A casa do senhor Stuart era antiga, mas naquele dia, a porta parecia muito nova. E como ele passava muito tempo perdido nas coisas velhas, no antigo, que quando alguém batia sua porta com novidades, ele fingia não escutar. No entanto, por algum acaso, aquela porta que foi batida, ressoou, tirou o sossego, e sentiu o futuro lhe reclamar, “que adianta viver sem esperança de que a porta seja aberta?”. Então, os tiques nervosos o ameaçavam, os dedos ficavam inquietos batendo na mesa de madeira, o pé inquieto balançava freneticamente na mesma velocidade que os dedos da mão tocavam a madeira, a casa parecia mais escura, e os olhos procuravam acabar com essa escuridão, porém fraquejando, sentiam medo. Até que a porta,  barulhando com o “toc, toc, toc” fez surgir claridade. 

A pequena se explicava ao que vinha, ou melhor, pedia desculpa pelo incomodo, e licença para poder chegar até o Sr Stuart. E ocupado, sempre com a escuridão do passado, nem percebia quando ignorava essas pequenas visitas, não intuía ao menos que a felicidade lhe esvaía nos dedos, os mesmos dedos nunca paravam de retirar barulho de uma madeira morta. 

Contudo, a menina que lhe pedia um balão, era a mesma que o retirava pela primeira vez da mesmice. Quando os olhos bateram na porta que 'barulhava', deixou que uma voz gritasse dentro de si:
- O que é que tu queres uma hora dessas na minha casa? Queres vender uma rifa? Biscoito? Hoje é dia das bruxas? – pensou, mas não falou nada. Deixou a voz falar apenas pra si mesmo. - Afinal, não é uma boa ideia falar assim com uma menina. - PENSOU. 

- Olá? Olá? – Disse a menininha.
- O que queres aqui menina? – Perguntou com uma voz grave e assustadora.
- Eu estou aqui por causa do balão. – Respondeu.
- Pois saiba que não tem balão algum. Agora some daqui menina xereta. – Respondeu novamente.
- Pois o senhor fique sabendo que eu não tiro os meus pés que podem até ser pequenos desse tapete até que o senhor abra a porta. – Falou intransigente. 

Então encostou as costas na varanda que lhes eram maiores que a própria altura. Colocou os braços cruzados e franziu o cenho. Vendo pela brecha da porta que a menina ainda estava lá, pensou que levando em consideração o tamanho e da coragem daquela pequena menina, talvez merecesse ao menos que lhe ouvisse, mas se lhe fizesses este favor, perderia tempo, e isso lhe traria muito estresse logo em seguida. Isso parecia deveras negativo. No entanto, acabou abrindo a porta. 

Como não costumava sair muito, abriu aos poucos, lhe era muito complicado se expor para qualquer um que fosse, mas uma menina, merecia toda a atenção. A menina que queria um balão se desencostou da varanda, e abriu os olhos com tamanha curiosidade, sorriu como a espera de algo grandioso, porém o Sr Stuart não foi capaz de entender tamanha comoção. No entanto, aquela repentina saída a porta que nunca houvera sucedido em anos, só poderia de fato causar tamanho alvoroço. No entanto, a menina que tinha os olhos curiosos, parecia não estar surpreendida com aquela imagem exposta na porta. Ela o previa, que poderia até não querer, mas abriria a porta, afinal, ele tinha uma tal coisinha chamada curiosidade de quem havia tido o atrevimento de bater-lhe a porta insistentemente. Repartiu-lhe então um sorriso. Que inquieto respondeu com perguntas: 

- O que queres mesmo mocinha? Porque não fala logo o que quer ou acha que eu vou perder muito tempo pra lhe ouvir aquilo que tens a me dizer?

- Ah, então, o senhor pode me dar um balão? – falou. Levou as mãos para trás, encruzilhou-as e balançou o corpo para frente e para trás.

Não acreditou que a menina continuava com a ideia de um balão. Permaneceu incrédulo, e logo puxou um banco que estava ao lado da porta, e com um assento desses, incômodos, buscou a melhor posição para que ficasse frente a frente com a menina. 

- Bem, menina, e para que tu queres um balão? – perguntou colocando uma das mãos no queixo.
- É que eu preciso pegar cor de azul no céu. – respondeu a menina.
- Que disparate mocinha. Porque não usa tinta? Lápis de cor? – perguntou o Sr.
- Porque o céu não é tão previsível como o senhor pensa. O azul que eu quero não tem em lápis de cor. – respondeu a menina.
- Não existe jeito de ir no céu buscar tinta! É impossível! – Disse o velho ranzinza levantando as mãos freneticamente para cima. 
- Quem foi que disse isso? – a menina falou indignada, e olhou com tristeza. 
- O céu é espaço, não tem como pegar cor de lá. Qualquer cor que quiser existem em lápis. Mas para que queres esse tal azul do céu que não pode pegar na aquarela? – Perguntou, e sentiu a comoção da menina com aquelas palavras que pareciam tê-la machucado.
- O senhor não entende nada! Se eu soubesse explicar não estaria cá a pedir um balão pra buscar o azul! – Respondeu a menina que balançava as mãos soltas para cima, para baixo enquanto andava de um lado pro outro inquieta com tamanha descrença. 
- Nesse caso menina, é impossível fazer o que queres, até porque não tem como encontrar uma cor azul de céu. Porém tu vieste aqui me pedir um balão.

- Sim, foi sim. 

Começa uma disputa acirrada. 

- E porque acha que eu devo te dar um balão?

- E porque acha que o senhor não deve me dar um balão?

- Porque eu sou adulto, e sei que é perigoso sair por aí dando balões para crianças que nem possuem 1 metro de tamanho.

- Mas tu já foi criança com menos de um metro também. E ninguém te negou um balão apenas por não ter tamanho. Quando eras assim do meu tamanho, sabia que poderia pegar tinta azul do céu, agora o senhor não acha que com meu tamanho possa fazer isso.

- Pois bem, darei aos teus pais a ideia ... – quando foi interrompido.
- Não estou pedindo que o senhor explique aos meus pais porque eu quero tirar azul do céu, eu quero somente o balão.

- E eu poderei ver esse azul?

- Para ti parece apenas se importar com o azul, mas chamo de azul cor do céu por não ser apenas azul.O senhor não é capaz de entender, ainda, ou não mais. Azul é azul. Mas para o senhor, parece que só existe preto.

- Não, também me interessam todas as cores, que possam colorir.

- Talvez essa não sirva para colorir como as outras. Talvez o senhor só lembre de uma delas. 
- Não é verdade. 
- Se não fosse, quais questões o senhor estaria a me fazer?

- Não sei, mas não interrompa a parte importante. Se não serve pra colorir as tais cores, então para que adianta um balão?

- Te respondo, mas primeiro, o senhor me dará o balão!

Ao ouvir essa frase tão certa, numa tranquilidade, e gerando a impaciência naquele que recebera como bofetada, tentando se ver livre daquilo que incomodava, chamou-a para dentro. E gritou:

- Dar-te-ei o balão! 

Para impor algum controle a situação exclamou: 

- Pois é mocinha, dar-te-ei o balão, com uma condição!

- Qual?

- Terás que levar alguém grande contigo.

- Sim, mas eu já sei quem vai comigo. Isso já era decidido desde antes do senhor me falar.

- Ótimo, então quem vais contigo? 

- O Stuart. – respondeu sorrindo – mas não esse grande de altura, e sim aquele de estatura baixa!

O velho arrumou o balão, e andou até o lugar que costumava leva-lo pra voar. Estendeu o balão para que fosse inflado. E com o ar já ocupando cerca de 60% do volume do envelope, acendeu o maçarico. Pôs o balão a voar com a menina. E a viu conduzir em palavras tudo aquilo que ele recusara entender.

- Vê? O senhor agora vê o azul? – Perguntou.
- Vejo apenas um céu. Mas o que tem menina? – perguntou sem ainda entender nada.
- Simples, aqui do céu eu tenho azul, branco, vermelho, amarelo ... e todos os motivos que clareiam qualquer coisa no mundo. Tenho a beleza que me faz querer mais cores. E assim vejo o mundo. Assim vejo o meu futuro. Não tudo preto e branco como o senhor naquela casa escura.O senhor não era preto e branco, era colorido. 

Fez-se silêncio em meio as cores. Ao mundo. Porque não era preciso mais nada. Aquela visão falava por si só. A cor que brota de fora pra dentro, fez-se sentido. Fez-se vida.

Ao voltar ao fim do dia para casa, pensou em tudo aquilo que viu, todas as cores. E percebeu que era possível pegar as cores do céu, era possível ter o azul nas mãos, na alma. E no outro dia, no dia seguinte, qual cor a alma dele estaria? Porque assim é o futuro, quando a gente deixa o preto invadir, tudo perde o sentido, mas se colorir, se puder, cor, se não puder, colore mesmo assim. Quem foi que disse que é preciso mais que 1 metro de tamanho pra saber isso tudo? 


“Não tenhamos pressa,
mas não percamos tempo.
 

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