"Não sei grande coisa de desassossegos, o mais que faço é aproximar-me de uma varanda como de uma falésia, esquecer-me, mesmo, do guarda-chuva e sentir o céu, fechar os olhos quando o desejo vem e não te ter como se te tivesse."

“[...] de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo conhecer as regras, me deixo tomar por inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando entre as palavras e os pratos vazios, torno sempre a voltar, talvez penalizado do teu olho que não se debruça sobre nenhum outro assim como sobre o meu, temendo a faca, a pedra, o gume das tuas histórias longas, das tuas memórias tristes...”

                                                 

Hoje, resolvi que precisava de algumas palavras. Sim, precisava retirar-me, e apoderar um pouco daquilo que considero meu mundo desconexo. E enquanto desfaleço em sono de profunda imaginação incontida, volto a perguntar-me, se um dia, em algum momento, poderei ser comboio de solidão finito. Nessa brincadeira de talvez, de quem sabe um dia, possa ser que meu talvez vire um talvez tentando ser certeza, e de tanto tentar, transformar-se-á naquilo que tanto almeja.

Pois é, eu espero que um dia possa gritar levemente o “vem, eu quero te mostrar como tudo aqui mudou”. Eu quero muito ser conduzida pelos meus próprios calcanhares, com luminárias coloridas no meio de um corredor, e enxergar lá do último quarto qualquer passarinho brindando no céu a liberdade da minha louca imaginação.

E vou lá ao alto, sem precisar controlar o relógio, livre, solta, sem sapatos apertando meus miúdos dedos. Levanto o semblante, arqueio a sobrancelha, reconstruindo uma face que por tanto tempo esquecera-se de si, como se no meio de tempos, retirasse a carcaça pra cuidar do restante do mundo, e do nada, resolvera expor a própria incomum imagem.

Esse dia, que ainda não é meu, mas quem sabe um dia quando o talvez deixar de duvidar da própria certeza, eu possa chamar os velhos rabiscos, os antigos sentimentos para cá, pra deitar ao meu lado e reescrever novas antigas linhas, e ver como éramos felizes quando não tínhamos nada a perder, mas não poderíamos imaginar como as coisas ocorreriam. Então, ao meu lado, os antigos rabiscos, desenhando o seu sorriso, meio que perdido, desconcertam-me novamente, como se sempre soubesse, tem para sempre que não tem fim. Nem quando a gente tenta de todo jeito acabar.


Olha, eu apenas estou a escrever só pra te falar mais algumas das palavras desmedidas que sempre ficaram no meio do caminho. E por ventura, num acaso de tantas coisas ainda não ditas, eu talvez conseguisse dizer que apesar de todo o tempo, de todos os entraves, ainda te gosto do tanto de ontem, e de depois de amanhã. Quem sabe?!
“diz-me o caminho diz
onde diz como e com
que palavras e sem
que palavras e diz-mas
baixinho cuidado não
faças barulho não digas
antes que chegue
o nome e o sentido
do que devagarinho
queima entre um
silêncio e outro.”

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