"Tão supérfluo tudo! Nós e o mundo e o mistério de ambos."
"Somos quem não somos e a vida é pronta e triste."
E eu vou como se há de
ir. Indo. Numa volúpia de passos enlouquecidos, procurando enfim a cura dessa
dor de quem tenta ser feliz sem a metade de si. É possível ser feliz? É um
direito? Ou é um dever parecer ser feliz?
Acho que tempos atrás
eu já havia mencionado a habilidade da vida de repetir-se. Isso acontece
sempre, e algumas vezes nós até já esperamos a repetição. Porém existem
momentos que nos enchem os olhos, nos impactam de tal forma que ficamos absortos.
Eu estava andando pelo centro da cidade, segunda no final da tarde, quando os
vi passando. Não sei se por força do habito, mas acho que pela minha própria invulnerabilidade,
sentindo pelo impulso de ir, mas imperceptivelmente, meus olhos já os seguiam.
Ou talvez tenha sido apenas a repetição do que se há de ir, uma vontade de partir
e falar paralisada. Explicando melhor, seria o momento em que você se depara
com uma visão, no qual uma série pensamentos se avoluma enlouquecidos.
Era um homem, lindo por
fora, podre por dentro, ao lado de uma moça que ele havia colocado na zona dos prejuízos
da vida dele. Cada movimento que ele entonava o corpo pra realizar, era de uma
tremenda indiferença, só ele não notava que assim era bem mais fácil cair no
abismo ou retroceder toda a vida e voltar ao buraco anterior. Mas mesmo assim
ele se movimentava. E por conhecer o passado dele tão bem, partes de mim já
sabiam o que haveria de se repetir. Aquilo doía com profundidade. Ele deixava exposto
o que tentava esconder por trás do próprio ego – a sua insegurança. E assim aos
trancos e barrancos, ele demonstrava sua fragilidade.
Eu o segui com o olhar
até um bar. Percebi que ele tinha toda a preparação pra lidar com tudo ao
redor, mas não sabia lidar com o fato da simplicidade de que só se é feliz por
um curto espaço de tempo. E por isso ele sofria por nunca ter conseguido
realmente dar os primeiros passos a partir da dor. Permanecendo lá e fingindo
que tudo estava bem.
Ele, ao lado de sua
conquista, é como a maior parte das pessoas. Desconhecem que a vida é um passo
a passo de base e edifícios que são colocados em pé por nossas próprias mãos, e
que por isso precisam de alicerces mais fortes que ilusão. E que só se é feliz
se for insistente.
É como se conseguir
retorno de tudo, quando na verdade o principal retorno sempre deve ser o nosso,
ao dar errado, seja um fracasso e tudo gire em torno do erro. Frustração? Seria
bem essa palavra. Seria possível viver num mundo sem se frustrar? Penso que
existe uma forma de mudar a palavra frustrar, e evita-la. Começando pelo
esforço. Seriam essas as duas faces de uma mesma moeda? Frustração e esforço?
E que venham as
entrelinhas da moeda.
Esse mesmo homem,
supostamente perfeito, nunca precisou de esforço algum pra conseguir tudo
aquilo que sempre quis, e isso seria quase a mesma coisa de acreditar que é
possível viver sem sofrer. Mas na insegurança dele, percebemos que a dificuldade
não é uma anomalia, sofrer não é um Deus traindo as nossas vontades. A verdade
é que assim como o amor, os sonhos, e tudo mais, a felicidade não é um objeto
que se compra. Nessa vida, só vive bem que compreende os próprios limites e
tenta mudar isso. E todos são iguais em certos pontos; ninguém tem tudo o que
quer, porque se tivesse, faltaria sentido pra continuar a viver.
Percebam que a nossa
condição é frágil. Nós falhamos. Nós possuímos barreiras pra ultrapassar. Desde
o inicio sofremos. E vamos sofrer mais ainda se não encontrar uma forma de
escapar, de explicar e de solucionar a tristeza e a confusão. Se isso não é
feito, vira doença, vira problema, amontoa tudo por dentro – afinal ninguém
está disposto a se esforçar e reconhecer que cometeu um equívoco – se sempre é
mais fácil calar e fingir que nada aconteceu. O resultado é uma angústia do
próprio desconhecimento. Um pequeno teatro emocional embutido.
Quando olho pra aquele
homem, com tantas possibilidades, com tantos riscos, percebo a discrepância das
realidades situacionais. E que é preciso ter coragem pra assumir as linhas
tortas de viver.
Quanto ao homem podre
por dentro, talvez eu conte depois porque e como eu o conheço tão bem.
"Somos todos míopes, excepto para dentro. Só o sonho vê com o
olhar."
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