"A emoção era doce e nova, mas a causa dela fugia-me, sem que eu a buscasse, nem suspeitasse."
"Verdadeiramente foi o princípio da minha vida, tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir das pessoas que tinham de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a sinfonia... Agora é que eu ia começar a minha ópera"
O que poderia explicar
o fato de estar no meu limite pessoal e encalhado numa viajem totalmente
absurda e obsessiva, eu não poderia dizer que era o amor, então não arrisco.
Andamos uns 600 metros até um posto. Não havia ninguém no local, apenas duas
motos velhas e um carro que provavelmente não saía daquele lugar por muito
tempo.
- Marie, não havia um
lugar menos ruim pra ir? Esse até que é bom demais, mas sei lá, sinto falta de
goteiras e ratos (falei ironicamente com a sobrancelha arqueada).
- Engole sua ironia e
morra com ela engasgado!
- Ah que nada, se eu
morrer você vai chorar muito e de tristeza vai padecer.
- Experimenta.
- É. Tá bom, eu vou lá
fora. Quero ver se acho uma faca, qualquer coisa pra testar.
- Idiota!
Ouvi um riso simples
saindo da boca dela. Mas ainda assim peguei meus passos e coloquei pra fora do
posto. E como num milagre, quer acreditem ou não, um carro parou na mesma hora
na frente do local. Eram duas mulheres de estatura mediana e um homem de 1,85 e
bem gordo; queriam saber pra onde ficava a cidade de Lagoa Seca. Aproximei, e
gesticulando expliquei. E a ideia idiota de pedir uma carona no lugar de tentar
de outra forma sumiu após as dúvidas retiradas. O carro partiu e eu fiquei lá.
Ao entrar no posto
novamente, no meio do olhar distendido da Marie, seguiu uma sequência de
questionamentos. Provavelmente era o estopim. Interrogado, hesitei, mas ela
insistiu mesmo assim:
- Esse barulho que eu
ouvi agora e que não estou mais ouvindo era o que eu penso que é?
- Acontece que na
verdade as coisas nem sempre acontecem como a imaginação acha que deveria ser. E
pode ser melhor ficar por aqui por mais tempo.
- Você está muito cuidadoso;
mas você não é cuidadoso!(falou rispidamente) Porque diabos não pediu carona?
- Eu nunca vi o cara na
minha vida, e ainda mais com duas mulheres estranhas. Só ajudei. E eu vou
tentar arrumar aquele carro ou se as motos funcionam ainda.
- Ahham.
Ela simplesmente pegou
a bolsa, colocou nas costas e saiu andando. E eu acabei seguindo-a até a outra
cidade. Sentia os pensamentos dela me invadirem em lamentos de tudo o que tinha
acontecido, a loucura pra findar com aquela viajem, não aguentava mais viver
andando de cima pra baixo e de baixo pra cima, como se não houvesse um
fundamento, nem um fim, ou sequer um ponto de partida ou chegada. No entanto,
eu era o motivo. O único.
Finalmente conseguimos entrar num ônibus velho, que
pra quantidade de passos deixados pra trás, parecia perfeito. Seria confortável
se não houvessem crianças de fraudas sujas e aos berros do meu lado, pessoas
que pareciam não saber o que era um banho por semanas, tudo o que você poderia
imaginar dentro de uma lata de metal. A Marie não fazia nenhum movimento,
parecia que nem ligava pra aquele tumultuo, ela estava presa emocionalmente ao que precisava fazer pra mudar o fim. Até que num determinado ponto da
estrada, ela levantou e saiu do ônibus sem explicar.
Pulei atrás dela com
todas as coisas. Apenas fiquei olhando, e pensamentos invadiam minha mente.
Então eu gritei:
Então eu gritei:
- Pra onde vai?
- Não sei.
- O que vai fazer?
- Que diferença faz?
- Faz diferença saber
de alguma coisa. Aqui não há nada. Eu só queria entender o que tá acontecendo contigo. O que vamos fazer?!
Ela se virou cuidadosamente
e disse:
- Eu não queria que fosse assim. Eu juro.
Finalmente, meu fardo,
desmoronou. Era quase impossível de entender as peças do quebra cabeça que era
essa mulher. No entanto, sendo meu fardo, vendo-a incompreendida por si mesma,
me desatei em interrogações.
- Você é meu fardo,
quer dizer, nós somos um fardo um do outro. Antes você fugia por si mesma, e
agora você foge pra não ter que fugir.
- Como assim? – Ela perguntou
com os olhos cheios de lágrimas.
- Antes você era
qualquer uma Marie, como tantas outras, e agora você é minha. Você não quer me
perder, e foge pra não se perder mais uma vez.
- Não tá mais dando
certo.
- Está cansada?
- Porra, não é isso, ou
não é só isso. Talvez não seja o suficiente pra nós dois. Essa vida não
permite ter um depois.
- O que é suficiente
pra ti? O que é o depois?
- Eu ... Não sei. Só queria poder ficar contigo sem medo de perder, tão cedo.
- Em qualquer lugar, de
qualquer maneira, minha vida seria boa, mas seria apenas isso. E você
continuaria fugindo e agindo dessa forma. Então, que diferença faz? O tempo é impreciso, meu bem, os riscos só são menores, mas não inexistentes.
- Seria verdade ate
certo ponto, mas não é bem assim. Se você não ficar comigo por agora, eu saberia que teria pra onde voltar. E você estaria bem.
- Verdade. Mas agora é
tarde demais pra isso, todos já sabem e se eu ficar só vou correr os mesmos
riscos. E eu não ficaria bem, a solidão me consumiria.
- Não é tarde. Não quero mais vacilar. É tua vida, nossa vida.
Mesmo inquieto, cogitei
a possibilidade de voltar. Mas isso seria desistir. No entanto, olhando aquela
mulher, de face delicada, me traziam harmonia aos pensamentos ao mesmo tempo em
que os desajustava. Sem mais palavras, ela se retirou dali e foi na direção
oeste.
"Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as
palavras da boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração caladas como
vinham"
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