"História escrita a lápis, lápis-borracha para tudo ser mais prático"


Quando se tem uma mania de escrever, começar um novo texto depois de anos pensando numa introdução começa a ser um problema sério. Você percebe que já usou todas as formas imagináveis pra começar qualquer texto, e isso parece ficar mais difícil do que quando principiou. No fundo, essa maneira rasa de escrever, que requer tantas palavras, é complexa porque escrever é transbordar a alma pra fora, em palavras. E como sou meio termo incompreendida, meio termo complicada, e não aceito essa mania estreita de enxergar cada um que habita um corpo diferente daquele que somos acostumados a ver pelo espelho, hoje me apetece o querer falar dessa simplicidade de sentimento e sua forma rasa de ser.

A ideia de escrever sobre aquilo que se sente, por vezes quase que de forma louca, e que confunde todos os nossos sentimentos, fazendo a emoção extrapolar por todos os poros do corpo. O que de certa forma, no fundo, ao íntimo, eu jamais fui capaz de entender, sequer fui paciente ao ponto de aceitar essa banalidade que comanda os tais relacionamentos ao longo dos anos. Ao fundo do poço, praticamente no abismo, percebi que talvez a esta escravidão sentimental que pertence a quem tem amor raso, daqueles que não tem palavra que descreva, nem poema, que já não absorve o pensamento dos envolvidos, não é sentimento morno, muito menos ardente, apenas existe (persiste) a palavra dependência. Uma dependência meio esquisita, daquelas que nada acrescenta, não transforma plano em realidade, mas que por existir e basear-se numa necessidade esquisita da presença daquilo que causa dor, parecendo não findar nunca.

Pra explicar o tamanho do problema, imagine duas pessoas, um rapaz meio loiro, olhos castanhos claros, e uma moça, cabelo castanho escuro, olhos amendoados. Ambos com a mesma textura de pele, com uma pequena diferença entre as alturas, e os sorrisos meio complementares, o que um possuía completava exatamente aquilo que faltava no outro. Enquanto na aparência havia similaridade, complementariedade, na vida, essas diferenças se avolumavam ao ponto de não haver um contexto de unidade, parecia mais uma briga infindável, diferenças que pareciam não trazer solução. O que era complemento transformou-se em controvérsias.

O que a gente faz do que sentimos, ou o que sentimos modifica o que fazemos do que sentimos, virou uma bola de neve, e o amor que era base, caiu por terra abaixo. A saudade deixou de ficar no armário e ganhou espaço fora de casa. O cheiro, a textura, a maciez da voz foi desaparecendo da memória. O que era vida perdeu a cor, e morreu no mais íntimo dela, e deixou de ser fundamental para ele.

Apesar do não querer, e da mania de fugir de qualquer coisa relacionada a ele, ao ponto dela nem querer lembrar, involuntariamente se firmava como ausência, espaço vazio, nem branco, nem preto, apenas um vácuo, e o mesmo com ele, que loucamente se jogava em qualquer gota de álcool que o fizesse mais dormente.

Ela começara a perceber uma necessidade estranha, pela primeira vez ela já não queria sentir-se perdida. Dispersar em alguém não era uma boa ideia, mesmo que a vida fosse meio cretina às vezes, a natureza de tudo aquilo deveria ser comandada. E não aceitando, ou mesmo não querendo a solidão como companhia, por várias vezes a memória trazia a tona a falta de alguém que ela nem lembrava. Ela o amava, e sabia muito bem disso, mesmo que não aceitasse, e houvesse matado a presença, a lembrança e até a ausência. Ele já começava a buscar novos corpos, novos braços, e mesmo vazio de si, o que o álcool não lhe podia trazer, os braços de outra parecia fazer sentido.

Ela foi curando. Ele foi adormecendo. Ela libertando. Ele se prendendo em uma nova história. Quando perceberam, ela podia encontrar numa nova história um recomeço, enquanto ele, mesmo com duas ou três novos começos, cada vez mais preso ao passado permanecia.

Eu quero que a entenda, e entenda bem, o problema não era o amar, mas o contexto de amar um complemento sem encaixe, que apesar de haver todos os sentidos envolvidos, faltava poesia, eram versos pobres de rima. Duas almas que se doíam e magoava como autodefesa. Pareciam fora do contexto, ao ponto de não se reconhecerem, mas ainda assim se amarem como a primeira vez, e mesmo assim preferir deixar pra lá, como se não fizesse muita importância.

É assim, desta maneira, um amor raso, frágil e débil. Esse amor de vitrine, que apenas é comprado com uma primeira impressão, sendo usado, depois descartado. Ninguém sofre (claro que sofre, mas a gente finge que não é apenas um lado dolorido). E o que eu não compreendo, o que não me faz sentido em tudo isso, é justamente esse sentir. Enquanto ela chora pela ausência, pelo carinho, pela necessidade de estar com alguém que jurou ser o amor da vida, ele apenas sente falta da pele, da nuca, das curvas, sente falta de tudo que ela tinha. E ela, continua meio esquecida, mas ainda ama, o último cara do universo que ela jamais amaria. E ele, fingindo sentir falta de pele, e acreditando nos contos machistas, prefere estar com outras a se perder no que de fato poderia fazer a vida dele diferente, e verdadeira.


Se te fizer sentido pra ti, espero que algum dia, essa existência mundana do amar, possa fazer sentido pra mim também. Porque eu posso tentar, mas é insano demais imaginar essa mania de entrar e sair da vida das pessoas sem trazer ou levar nada importante. 

“Os três pontinhos são o que me matam, ponto final seria a dureza clara e o fim da história, três pontinhos são o que me matam.

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