"não sou das que levam, sou coisa levada." (C. Meireles)

“Quero escrever o borrão vermelho de sangue com as gotas e coágulos pingando de dentro para dentro. Quero escrever amarelo-ouro com raios de translucidez. Que não me entendam pouco-se-me-dá. Nada tenho a perder. Jogo tudo na violência que sempre me povoou, o grito áspero e agudo e prolongado, o grito que eu, por falso respeito humano não dei. Mas aqui vai o me berro me rasgando as profundas entranhas de onde brota o estertor ambicionado. Quero abarcar o mundo com o terremoto causado pelo grito. O clímax de minha vida será a morte.” (Clarice Lispector)


Eis que me povoa um meio termo estranho, uma entrelinha discreta e quase apagada no meio da multidão. E que outrora se revela, meio capenga, mas beirando uma delicadeza que nem todos são capazes de perceber. Eis que entre palavras, refaço uma autoleitura, como se recriasse a minha imagem, que eu, praticamente tresmalhada da mania de autodefesa, a deriva como se estivesse comandada pela fada verde, eu, faminta de palavras, abrasando em poesia, desvairando por dentro como quem não tem o menor controle daquilo ao que se expõe, resolvi que hoje estaria em rebeldia pessoal. Hoje a minha voz toma forma de letras, gritando em apelo as exigências da alma, do amor, da verdadeira existência – a escrituração daquilo que está em alma – e que não faz o menor sentido, é sentido, é vida, impregna na vida da gente, no sorriso, na calma, na prática da resiliência, porque é isso que somos, um ser que usa um corpo passageiro.

Hoje, sem habilitar o tal orgulho, sem seguir uma ordem superior, sem rir da hipocrisia alheia, e muito menos sem aquietar diante do silêncio que não acrescenta nada, refaço diretamente de mim, a minha cópia, e como qualquer cópia, sujeita a mudanças, talvez amanhã seja apenas uma cópia ultrapassada. Aqui, comigo, permito a violência do autocriticar-se, praticamente desnorteando até a minha maior conclusão, e nenhum valor imposto ou crítica será pior que essa.

“Eu havia mudado o sentido, porém só conseguiram perceber uma mera mudança de rota, que nada modificava o final da obra, apenas acrescentava outro valor naquilo que eu queria de fato dizer. E para mim, aquilo era o fim.”.

Pra aqueles que compreendem o poder da autocrítica e como tal destrutiva, imaginem a cena. Eu, de cabeça baixa, como que decretando a desilusão, e a própria impaciência de quem não suporta a si, na tentativa de perturbar os sentidos, realoquei aquilo, forjei meu próprio sentimento, troquei a faixa da música, coloquei uma roupa de cor azul com branco e vermelho, pratiquei a indiferença para minha própria opinião, e olha o que me aconteceu, tropecei no meu poema, cai de paraquedas numa nova situação.

Escrevi para mim uma nova poesia
Na dor feita pela pele que dói a alma
Na dor da alma alheia
Na cor da tua pele
Exposta

Escreverei pelas palavras que tocam na alma
Pelos gritos nem sempre tão sonoramente receptivos
A cada lágrima poematizada
Mesmo que estranha
Habita
Em mim.

Todo o mundo gira em torno do mesmo eixo, os mesmo pensamentos orbitados, vivenciados, como se a vida fosse um eterno looping, e tudo resume-se em cheiros, cores, dores, sons e corpo interagindo como receptor.

O mundo,
O todo que recebe a nós,
Tudo em perfeito estado
Caótico.

Mundo dos eu’s,
Nós recebemos o mundo,
Estado que se desconstrói
Em perfeita sintonia.


Sintam a epifania do momento, que se esvai como o vento, no meio desse impulso de se autodescrever, e sequer ter um motivo perfeito para tal. Mas é meu corpo que resiste, sou meio clandestino de mim. Como diria a Cecília Meireles: “Não sou das que levam, sou coisa levada”, sou assim mesmo, quando percebo já nem lembro qual caminho peguei, sei apenas que cheguei. 

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