"O resto é silêncio"
“A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois
da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace.”
Há quem possa dizer que
duas almas não sejam completas apenas por passarem uma na vida da outra. Há
quem duvide. Há também controvérsias destas dúvidas. E que paradoxos intermináveis.
- Tem alguma ideia do
que fazer daqui em diante?
- Não.
- E pretendes
permanecer nessa fúria? Nesse fim?
- Não tenho opção a
procurar além de algum sentido. A morte talvez me faça sentir medo.
- Morte? Deixe de
besteira. Uma mulher como você não pode morrer assim?
- Morrer? Quem disse
que já não morri? Quem sofre dores ainda se sente vivo, já a mim, por golpe do
destino, pela profundidade da ferida que me retirou a vida da alma, pareço
morta. Mas você não faz ideia do que seja isso né?
- Sei sim, dá pra pegar
seu coração e fritar com cebola.
- Ahh Beatriz, por
todos os Santos!
- ... E se colocar
ervas finas, daria um bife acebolado delicioso.
A Marry passou as mãos
no rosto como quem se exaspera. A Beatriz deu um sorriso faceiro e piscou com
um de teus olhos amendoados. As duas estavam na casa da Beatriz, na janela que
ficava de frente pra uma laranjeira.
O relógio batia num
reboliço que eram 20:00 horas; Beatriz retirou-se. A Marry como era hóspede
daquela simples casa, tratou como sempre foi acostumada, sentou na poltrona com
um como de whisky e um cigarro, enquanto a amiga, preferindo refrigerante,
deitou-se no sofá ao lado com aquele arzinho simples e doce de quem nunca
sofreu uma perda. O silêncio entre ambas, apesar de existente em palavras, o
som do copo, dos goles, e da fumaça pareciam rondar ao redor de ambas.
Ambas geniosas, no
entanto, completamente diferentes. Diferentemente da Marry, a Beatriz era
sensível, carinhosa, de uma forma, digamos, boba de ser. Como muitos falam, é
uma menina presa nas ilusões da realidade. Eram, contudo, diferentes e amigas
confidentes.
A Marry tinha uma mania
de revoltar-se, desde a minha morte, que tudo de triste também aconteceria com
a Bea se ela não tomasse cuidado. A pobre moça, perdida nas sua maior ilusão –
no sentir-se livre – haveria em algum momento de cair na realidade das frases
da Marry.
Eu, por algum motivo
estive preso pela vida, e até a morte, àquela mulher. E desde o princípio, eu
já sabia que qualquer que fosse meu final, meu cativeiro seria o amor ou o
repúdio daqueles olhos. Afinal, foi quem amei como a última e a primeira.
Cegamente. Profundamente. Sinceramente.
Mas agora, eu era o
resto de um sentimento murcho, dolorido, uma flor já sem cheiro. Perdida. Mas
viva na memória. E que os passos de quem se despede, levava uma imagem, que não
receberia uma resposta.
Marry era incapaz de
ouvir, de entender, de sentir. Estava quase fincada na poltrona, com as pernas
velando o velho charme, mas com uma mão segurando o próprio queixo, como se
aquilo prendessem as lágrimas que queriam cair. A princípio o silêncio
misturou-se com as lágrimas, mas logo em seguida ela não resistiu a deitar-se,
chorar compulsivamente enquanto desesperava-se como se a alma explodisse em
estilhaços cortando por dentro do corpo dela. Aquela dor comoveu a doce Bea.
- Sei que você não pode
entender – disse Marry – mas essa dor não é só de quem sofre por não ter quem
ama, é a dor de saber que não vai amar mais ninguém assim.
- Talvez ... Eu não sou
de certo a melhor opção pra te dizer alguma palavra, mas quem sabe uma auto
avaliação seja a resposta.
- Não, agora não dá! Tu
não percebes que me faltam forças?
- Tudo bem, só ...
- Já pensei tanto –
interrompeu-a – Não é a mesma coisa permitir-se ao mundo sem ele. É como viajar
no meio de um dilúvio.
De certo, não se
saberia, não se compreenderia o que havia morrido naquela mulher. Uma parte
ainda era sentida, e talvez fossem tantas dores ao mesmo tempo, que ela não
soubesse exatamente mais o que sentir. E cada vez que se auto golpeava, as
mutilações destonavam a real dor. E ela se perdia na própria dor.
"Eu te
amei desde o momento em que te vi! Eu te amei por séculos nestes poucos dias
que passamos juntos na terra. Agora que a minha vida se conta por instantes,
amo-te em cada momento por uma existência inteira. Amo-te ao mesmo tempo com
todas as afeições que se pode ter neste mundo. Vou te amar enfim por toda a
eternidade."
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