"Para que se deveria, em meio à grande ausência de limites, colocar a todo custo um limite qualquer?"
"Mas aquilo não me impressionou muito. Meus pensamentos
estavam em outro lugar... E em outro tempo."
Eu disse meu adeus. Eu
fiz o que devia fazer. Aceitar. Afinal, ela já sabia o fim. Ela conhecia
aqueles passos.
Marry regressou das
contínuas fugas. Caminhara por novos lugares sombrios. Fez suas loucuras. Para
mim, ela sempre foi complexa e descontínua. Mas ela nunca concordou, ela
acreditava que era mais que uma mulher impulsiva.
Quando regressava, eu
sentia que estava no fim do mundo e que o tempo demorava mais quando ela estava
distante. Até que ela descobriu, no meu quarto vazio, que a ultima vez o adeus
era o verdadeiro.
Seguiu para uma cidade chamada
Seropédica. Na entrada, havia uma rua estreita, a que chamam de “porta do
inferno”, não sei porque esse nome, mas pela noite essa rua torna-se uma das
mais movimentadas.
Era começo de agosto, e
ela estava tentando digerir minha ausência.
Não é estranho aprender
a dar passos sem ter para onde voltar? Marry observou ao redor, nesse dia,
mesmo a noite, só havia ela no meio da viela. Essa sensação era realmente dela.
Mas porque a não aceitação?
Marry apressou-se a
sair da rua. Como em qualquer situação comum, ela quis sair daquele lugar, mas
uma voz surgiu em meio a sombra:
- É ela? – a voz grave
indagou.
- Não sei. – uma outra
voz menos grave responde.
Se, por um acaso, a
morte tivesse algum ar de compensação, ela não queria saber.
- Quem são vocês? –
Marry indaga.
- A pergunta, morena, é
se você é quem queremos que seja. – a voz grave em tom malicioso responde.
- Eu teria tido paciência,
mas hoje, eu não estou. – responde e atira nos dois. - Quem vocês pensam que são?!
A Marry era obviamente
o que eles não estavam procurando, ou talvez fosse. Mas nesse descarrego de
raiva contida, ela ao certo não teria mais uma resposta a dizer. E se não fosse
ela e a morte dos mesmos fosse em vão? Marry tentou imaginar como seria se eu
estivesse lá.
Saltou fora da rua, e
com a sensação de duas mortes nas mãos, dirigiu-se para uma pousada para tomar
um banho. Colocou-se diante de um espelho, e ficou observando a imagem.
- Eu ...? – disse.
O reflexo não podia
responder a dor. Aquilo que fora feito, não havia como apagar. Como anular. E
ela faria exatamente igual.
- Porque as coisas
acontecem assim? – perguntou.
O reflexo imitando-a,
mudo, não sabia. Também era ela, sem voz.
- Eu sou pedaço de
passado, sou retalhos de um momento feliz. Mas estou morta por dentro.
Marry nunca estaria
satisfeita naquele momento em diante. Mesmo que as coisas funcionassem melhor
sem alguém pra atrapalhar. Ela se sentia estranha, e não entendia como a morte
estava determinando o que ela já sabia. Era bizarro ver que o que mais temia
era a realidade. Ela existia, eu já não fazia parte do sempre. Isso parecia
injusto. E não é? O que é justo?
Eu acho que a vida é
contraditória, porque não se tem como separar a existência e o fim da vida.
Morrer e existir. Quando eu imaginava o meu fim, sabia que os momentos com ela
eram valiosos. Mas ela não entendia. Ela tinha a cara e a coroa, e manipulava
todas as duas sem notar. Minha vida, minha morte, eram as duas faces que ela
tinha em mãos. Pela primeira vez ela percebeu, que assim como eu, quão difícil
era viver um sem o outro.
“Não sabia que as pessoas também podiam naufragar em
aventuras. Hoje sei que todo mundo deve ter muito cuidado com elas.”
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