“De tanto a minha mocinha perder no final cheguei à conclusão que sou bandida.”


“Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.

Sabe aquela coisa de todo inicio de semana ser massacrante? Aquele inferno? Parece que é o dia que conspira de uma forma geral para que o restante da semana seja igualmente malfazejo. Do momento em que a Ana sentava até o momento de dizer que era hora de sair parecia que 99% do corpo se perdia no caminho. Apenas o horário antes de dormir que deveria haver alguma paz, mas não ... não havia.

Na segunda ela foi tomar um café com o Joe, na cafeteria que ficava na frente da velha fábrica de sabão abandonada.

- Você tem visto o Mario?
- Que Mario?
- Aquele que tem um moicano vermelho.
- Moicano vermelho ... Hum ... Pelo que eu lembre, ou pelo que a tequila ainda me deixa lembrar, já tem tempo que você pergunta dele, mas não vi. Por quê?
- Na verdade, não é nada não. Ele sempre aparece por lá nas segundas, apenas estava esperando que ele aparecesse hoje também. Mas foi, tipo apenas, curiosidade.
- E por qual motivo surgiu essa curiosidade?
- Não, não é nada, só esbarrei por acaso outro dia lá na livraria do centro. Pareceu ser diferente. Isso me fez pensar um pouco naquele papo de outro dia que você falou que tudo é uma questão de ponto de vista.
- Você tem estado estranha esses dias, cabeça meio avoada. E ainda fala que é um papo que eu disse que tá fazendo isso?
- Não, nada haver. Só estou dizendo que o carinha parece fugir a regra do normal, mas talvez seja apenas um ponto equivocado de ver.
- Sei, e foi assim que passarinho azul ficou verde. Do mesmo jeito que seus olhos viraram mistério. Tá apaixonadinha.

Ana riu-se de si mesma. Depois prendeu uma seriedade e um olhar de tristeza.

- Falei alguma coisa errada?
- Não, só coisas que passaram aqui na minha mente, mas nada que – ele interrompeu-a.
- Nada que eu deva saber até que você queira me contar por livre e espontânea necessidade da minha ajuda.
- Hum ... é por aí.
- Ok moça encantada do paraíso chamado terra do céu da estrela que morreu – ela interrompeu.
- Nossa Joe, que trágico cara, você poderia ser menos tenso com o “estrela que morreu”.
- E você esperava uma história de amor romântica a moda atual sem que tivesse uma tragédia ao menos no nome?
- Assim também não. Poderia ter retirado um dente do príncipe, já era o suficiente.
- Não, porque aí a coisa termina na tal beleza, e com tanto tratamento de beleza por aí ... ele ia resolver. O pra sempre seria sem graça.
- Pera lá que ter beleza e um dente envolvido numa frase só até parece que é tão simples. Beleza é relativo.
- Uhum, mas no fim a beleza física conta e o bolso do cara também. E se você se atrevera dizer que é diferente, aí sua história muda de nome pra ET que não se olhava no espelho.
- Nossa que hoje você tá inspirado, só que não mesmo! – E riu novamente.

Ele a deixou na porta do elevador, e ela entrou no apartamento pra cumprir sua tradição singular de todas as segundas feiras. Tomou um banho quente deixando a água percorrer todo a extensão das costas para retirar qualquer estresse do dia, passou aquele óleo corporal com aroma cítrico, vestiu a camisola azul que quase se parece verde, mas ela comprou jurando que era azul. Perfeito. Deitou na cama odiando a segunda feira, mas lembrou que estava no fim.

Deitou a cabeça no travesseiro e deixou os pensamentos tomarem conta: como deixou aquele alguém entrar na vida e no pensamento daquela forma ao ponto do amigo mais desligado notar? Dentro de si também? Ela passara tanto tempo tomando cuidado pra nunca se envolver, pra não se permitir, e porque agora ela estava deixando isso tomar um rumo desenfreado? É aquela coisa de sentimento conturbado, mas não adianta sentir e não ter coragem pra saber até onde vai dar. Será que essa coragem é merecida? E afinal, quem é este que está entrando na minha vida? Eu não parei pra pensar direito sobre isso antes.

Deu um pulo da cama. Olhou pro camisola e num olhar desesperado sentiu sair de si um “Eu quero que isso tudo desapareça. Mas não vai, essa é a realidade. E não importa quão assustada eu esteja, vai ser sempre a realidade que eu não quis.”

Pra ser bem honesta com tudo isso que tem me rondado, eu não sei agir de outra forma. É uma mania infantil de agir com pirraça boba pra lá, e depois isso vira uma bola de neve incontrolável. Antes de tudo isso eu me sentia alerta, e então parece que passou um furacão e eu não sei mesmo se ontem foi segunda, se hoje é terça ou é tudo inverso. É um estado de estrago espiritual, mental e corporal. E por inconsistência pessoal, hoje tudo o que eu estava pedindo para aquela segunda feira desgraçada era que houvesse um pouco de silêncio em mim. Queria apenas ser eu, lá, quieta, só, parada. Sem interferência de mil pessoas.

A triste realidade é que eu queria apenas, por um simples devaneio que fosse, poder amansar o tal amor, como eu faço naturalmente com as palavras, como se pudesse moldar e esquecer a custo um pouco do sentir. É, talvez fosse o tal complexo amor menor. Queria amar sem me sentir sacudida por dentro e por fora, um amor mais confortável. Queria apenas não ser inundada de tanto sentimento torto.

- Será que eu queria mesmo? – perguntou em voz alta pra si mesma.

Talvez não. Não quisesse o amor e nem a realidade da camisola azul que era verde. Era isso ou talvez fosse a consciência querendo ser preto e branco? Então talvez fosse isso, talvez fosse aquilo, mas que coisa chata de tanto talvez.


Tudo o que queria era chorar. Chorou. Dormiu. Talvez na terça feira quando acordar, sem dores de cabeça, talvez (outra vez) fosse um dia melhor. Quem sabe? Talvez?!


“Chorar é diminuir a profundidade da dor.


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