"Chegaste, enfim! Milagre de endoidar! Viu-se nessa hora o que não pode ser."
“A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e
desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente.”
Eu
costumo pensar que, a tendência das coisas só piora quando a gente acredita que
já aprendeu aquilo que na realidade sabemos que existe, mas não compreendemos
de fato. É como ler um capítulo de um livro e ainda assim no final ter apenas
algo vago na memória. E pra que estou falando isso agora? Justo que me façam
essa perguntar.
Era
julho, estava no fim do mês, e eu tinha juntado um bom dinheiro. Estava
querendo tirar um tempo pra viajar. No inicio do mês recebi uma carta da Marry
avisando que eu iria embarcar com ela num navio, e que daríamos uma volta por
aí (ela nunca específica nada, eis o grande problema). Ela tinha na mente a
ideia de conseguir que eu trabalhasse durante esse tempo, e que ainda assim,
nós dois pudéssemos desfrutar de uma bela viajem cruzando os mares, e voltasse
com a grana suficiente pra realizar o grande plano (eu não fazia ideia do que
ela estava a martelar na cabeça). Ela apenas me explicou que tinha uma casinha
no sul do país e que ao final da viajem teríamos todo o tempo do mundo pra ficarmos
a sós, sem nenhuma confusão (vocês acham mesmo que alguém no mundo acreditaria?
Normalmente não, mas sempre existe um tapado como eu pra cair nessas coisas).
Eu ainda não sabia, mas na casa estava esperando um rapaz chamado Rian, um
velho “colega” de escola, e era um cara complicado – nem ela sabia o quanto ele
era louco.
Ela
aguardava a possibilidade da saída no fim do mês. Minha tia estava concordando
com a viajem, ela só não sabia quem iria comigo, então acreditava que aquilo
tudo me faria bem, eu tinha trabalhado arduamente, e seria uma recompensa. Ela
não falou absolutamente nada contra, nem mencionou nada sobre o fato de eu ter
que pegar uma carona na ladeira principal da rua. Tudo o que ela esperava é que
eu voltasse com a mente calma. Dessa forma, pela manhã do dia 28 de julho,
deixando minha cama vazia de meu corpo, dobrando pela ultima vez meus lençóis,
coloquei o casaco e parti com a bolsa em rumo ao desconfortável desconhecido,
com apenas uma quantia pequena no bolso de reserva.
Consegui
a carona com um senhor já idoso, tinha uma aparência de 74 anos, e dirigia mal.
Durante o caminho perdi as contas dos trancos entre freadas e arrancadas do
carro tão antigo quanto o dono. Eu deveria estar no mínimo apreensivo e
inquieto – afinal eu estava sentado no banco de um carro de um desconhecido,
indo pra um navio com uma louca, ciente de que ela era perigosa – mas o
percurso era tão complexo até chegar no fim que no inicio mesmo meus
pensamentos se embaralhavam e não dava tempo de sentir absolutamente nada.
Chegando
próximo ao embarque agradeci ao senhor que apenas sorriu, ele pensou que eu
estava agradecendo a ele, mas na realidade era um agradecimento de alívio.
Infelizmente.
Percorri
o caminho até encontrar de vista a Marry. Fiquei em silêncio por alguns minutos
observando. Ela notou e finalmente veio em minha direção:
-
Demorou ein.
Ainda
olhando fixamente pra ela, com um tom de vergonha respondi:
- Um
pouco.
Ela
riu (da minha cara mesmo) delicadamente (ela não era delicada, nunca foi, não
me perguntem quantas personalidades essa mulher tinha).
- Se
solta um pouco, desse jeito vou achar que você nunca vai se acostumar com a
minha presença sem alguns goles de álcool. Estou tentando seguir as suas regras
também, mas desse jeito será pelas minhas.
- Isso
seria ruim? Eu acredito na possibilidade de um privilégio.
- É,
quem sabe – disse ela.
Olhamos
para o outro lado do céu, o sol já estava bem acima da altura do mar, indicando
que estava quase na hora de entrar no navio.
- Eu
sinto que daqui pra frente as coisas tomarão um rumo diferente. Não é por
querer, acho que deve ser receio do que eu apenas sei que existe, mas não sei
exatamente o que é.
-
Entendo Alfonso, ainda tem tempo pra desistir.
Eu
suspirei tentando acreditar na possibilidade de desistir, mas mesmo assim algo mais forte me dizia que eu já
tinha tomado uma decisão.
- Eu
não volto atrás em escolhas, vou até o fim. Mesmo que isso seja ruim.
- Nem
sempre o que parece ruim é exatamente ruim. Sempre vai haver um momento
desagradável, mas com certeza um momento perfeito superior. Basicamente a sua
escolha feita e sem volta não tem sentido, mas haverá mais tarde uma explicação
pra tudo isso. Só não gosto da sua possibilidade do “se”.
- Quem
criou essa possibilidade foi você.
- Não,
quem cria não é quem menciona, mas quem a toma pra si e a torna verdadeira!
-
Claro, então eu devo pensar mais sobre o “se” que eu inventei?!
Ela
abriu um daqueles sorrisos afetados e dissimulados que nunca pareciam fazer
sentido e empurrou meu braço dando um beijo na minha bochecha. Senti meu
músculo contrair-se. Entramos
no navio, e ficamos dividindo um dos quartos. Não era grande coisa, mas era o
suficiente pra o que vinha pela frente.
“A ironia é a expressão mais perfeita do pensamento.”
"Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvera sido."
Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvera sido."
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