"Se nossas linhas não fossem tão tortas não teriam se cruzado."


"Fazia tempo que alguém não ficava tão calado enquanto eu apenas existo, fazia tempo que alguém não ficava tão perdido só porque me encontrou. "

Era quarta feira, meio da semana. Peguei meu celular e apertei na tela pra ver a hora. As pessoas no trabalho foram ocupando seus lugares, e então começaram a trabalhar. A velha rotina irritante de todos os dias. Do nada, entra na sala, a Marry, que começa a me encarar. Eu não entendi nada, apenas senti ela me encarar até meu rosto ficar vermelho.

Pensei que alguém poderia ter notado alguma coisa, mas ninguém estava prestando muita atenção. No entanto, mesmo sem saber o porque aquela mulher resolvera adentrar até o espaço do meu trabalho, mudei a estratégia (não que eu tivesse alguma antes, mas digamos que resolvi não ficar apenas com vergonha), a melhor estratégia numa situação similar é sempre olhar fixamente pra ela. Fiquei nisso enquanto as pessoas pareciam estar hipnotizadas pela hábito, todos exceto a assistente do chefe que entrara na sala procurando por alguém.

- Sra. Anderson?

Eu nunca tinha escutado esse nome soar tão comum e estranho. Notei que ela chamava a Marry pelo nome de casada. Isso pareceu estranho, e eu então olhei profundamente para aquela situação. Marry respondeu:

- Pois não, sou eu.
- A senhora poderia me acompanhar?
- Claro.

As duas passaram a passos ritmados ao meu lado, no momento em que a marry passou, segurei o braço dela com cuidado.

- Sempre há uma hora – eu disse – em que as coisas podem fazer muito sentido. Chega um dia que as dúvidas se tornam certezas. E tudo o que foi dito pode perder o valor – fiz um gesto irônico – e todas as palavras aparentemente fora do contexto podem ter segundo sentido. Pode ser que esse dia esteja chegando e pode ser que eu seja um idiota achando ser possível entender algumas coisas. A grande questão é que existe uma coisa chamada inevitabilidade, e isso te deixa preocupada. Eu posso não saber com quem estou lidando, e até esteja gostando da situação de perigo, mas inevitavelmente, conheço uma arma.
- Sugiro que não tenha tanta certeza, e garanto que vou adorar jogar com você. É divertido.

Ela deu um sorriso de canto de boca dos mais irônicos que presenciei. Nunca vi uma mulher com um sorriso tão lindo, audacioso. De fato, aquela mulher era capaz de enlouquecer qualquer um. Quanto mais um homem gritando liberdade da rotina. Era como se a estivesse chamando mesmo sem saber.

Assim que ela saiu da sala pude perceber um longo silêncio e olhares fixados em mim. Tentei ficar quieto, mas um sorriso cafajeste saiu da minha boca sem que eu pudesse conter. Eu sempre fui sincero, e infelizmente eu sentia tantas sensações e pensamentos ao mesmo tempo que não pudera controlar nem a mínima reação. Do lado esquerdo apareceu o Josué comentando:

Caramba! – Disse ele com um ar de deboche . – Quem é a gostosa?

Eu simplesmente não respondi nada até o fim do expediente. Ele não satisfeito com a não resposta da minha parte, empurrou o corpo pra fora do escritório em minha direção.

- Qual o nome dela?  - Ele perguntou.
- Pergunta pra ela!
- Não, já estou perguntando pra você.
- Ah não sabia que você queria saber meu nome! Interessante?!

Ele já ia pegar meu colarinho quando a Marry aparece.

- O que é isso? – Falou, levantando uma sobrancelha com um tom de exigência de resposta e se virou de frente ao Josué. – Isso não me parece nada interessante!
- É apenas uma conversa, não é stand up!
- Porque alguém como você ainda se dá ao trabalho de abrir a boca?
- Boa pergunta! – Eu não aguentei e tive que comentar.
Josué inclinou o corpo como se isso o fizesse superior.
- Ele é um otário assim sempre?
- Você quer descobrir?
- Não. Tenho planos, você vem?

Sabe quando aquele arrepio frio sobe na coluna? Foi mais ou menos isso que eu senti com essa pergunta! Ela até então estava me enrolando e eu sabia, pior ainda, ela sabia que eu já sabia que alguma coisa errada estava acontecendo (essa, na realidade, seria a base do nosso relacionamento), mas eu não estava me importando muito, continuávamos permitindo. Não havia aborrecimento. Eu percebia uma espécie de áurea que emanava dela, dos pensamentos e tudo o que fazíamos juntos ao ponto de não passar despercebido as nossas loucuras.

Eu ainda assim não sabia o que estava por vir. Apenas percebi começar um redemoinho no qual acabaria com que tudo terminasse apenas como pó. Eu queria ir mais a fundo com essa mulher, não porque eu a achasse apenas sexy, mas porque eu precisava mudar minha vida ao ponto de tudo ficar realmente confuso, ou provavelmente porque minha vida estivesse mórbida demais e já não estivesse me sendo o suficiente, e de alguma forma a profunda diferença de caráter da Marry e eu me fazia lembrar uma parte de mim que eu necessitava resgatar (é como beijar quem se ama na testa com a malicia de quem não precisa tocar).


Era como um remédio. No rosto do que rezava ia uma exaltação, qualquer coisa que ao primeiro momento o Sem-Pernas pensou que fosse alegria ou felicidade. Mas fitou o rosto do outro e achou que era uma expressão que não sabia definir. E pensou, contraindo seu rosto pequeno, que talvez por isso ele nunca tenha pensado em rezar, em se voltar para o céu.O que ele queria era fugir da sua angústia, que estrangulava. Mas o Sem-Pernas não compreendia que aquilo pudesse bastar. Ele queria uma coisa imediata, uma coisa que pusesse seu rosto sorridente e alegre, que o livrasse da necessidade de rir de todos e rir de tudo. Que o livrasse também daquela angústia, daquela vontade de chorar que o tomava nas noites de inverno.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

I'm miss your touch - Emily Browning

A vergonha

Indignada...