"Sempre conservei uma aspa à esquerda e à direita de mim."


“Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.

Eu estava a me embriagar outra vez nas memórias do que nunca aconteceu verdadeiramente. E era por algum acaso tão real, tão intenso e era dos dois lados. Mesmo que só um dos lados soubesse o tamanho da confusão. E se isso um dia viesse a acabar? E se não durasse o tempo exato de ser mais que uma memória? Não estou dizendo que seja fogo de palha, porque não dura mais que alguns segundos; meu caro, ou eu estava perdida no tempo, ou a minha vida inteira era rastro de poeira. Mas e se o real estragasse o imaginário? Isso seria egoísmo meu? Ter medo do sentir acabar e nunca mais voltar?

Decidida, resolvi deixar que as coisas tomassem um rumo. A vida ficava monótona sem você, e louca contigo. Mesmo assim, você deveria trazer seus achismos pra perto de mim, com aqueles olhos de quem sabe de tudo, mas não sabe ao menos se distinguir de mim. Com aquele sorriso que me entranha na alma, e do nada eu conheço cada parte, cada milímetro, e cada movimento.

E lá estava eu, outra vez, independente do que viesse a acontecer, firme até certo ponto, envolvida em ti, ainda com todas as dores, com o sorriso de quem sobrevive cada dia, esperando. E você voltou outra vez. Chegou tão doce, tão manso, simples, e me arrancou dos meios termos que me aprisionavam. E agora, se eu soubesse ao menos descrever quão embriagada eu estava de ti, seria mais conveniente referir a um perder-se. Perdida. Desconhecida. Autista. Indiferente.

Aquela presença me mudou de mundo, me colocou no avesso do veludo rasgado. Eu fiquei desorganizada por dentro, e pela milionésima vez não sabia o que fazer. Eu estava lucida, eu estava vazia. Eu estava repleta de calma, de agonia. Eu amava, e ao mesmo tempo odiava aquela loucura. Era sensação, perfeição, do qual, no entanto, não havia precisão, nem tão pouca exatidão. O que existia entre nós dois era impossível de entender até quando pensávamos entender tudo, a imensidão era maior que o passível de explicação. E mais, era enlouquecedor longe, perto, do lado, de frente, de costas, no escuro, de todas as formas.

Os meus olhos cegos, desenganados diante dos teus. Ainda assim, não havia incomodo em ludibriar-se. E como eu saberia? Como findaria? Na verdade eu não sei, não saberei nunca, mas do pouco que eu ainda sei, é que mesmo não querendo, eu me mantive olhando pra ti, e desde o início eu já sabia que mesmo não sendo quem eu sonhei a vida inteira, era exatamente o quem eu queria. Quero. Vou querer amanhã, e depois de amanhã, daqui um ano, dois, o resto da vida. Quero de forma completa. Complexa. Inteira. Quero com a alma lavada. Pensamento desenfreado. Quero por saber que só com você é assim, meio louco, intenso, desconexo, pavoroso, lindo, tudo ao mesmo tempo. Isso é o suficiente pra eu esperar duas vidas, três, quatro ou quantas mais tiver que aguardar. E assim ficarei esperando, e quem sabe a minha realidade ilusória, que eu nem sequer entendo, seja contato, seja toque. Seja você e eu. Ainda confusos, mas um só.



“Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. As vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Comentários

  1. Às vezes passamos mergulhados nas imagens refletidas no espelho da Vida. Às vezes mergulhamos no rio do tempo, adormecidos. Aì então, o Amor chega. E nos desperta. O Amor quando vem, nos torna, verdadeiramente, reais.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O amor parece que permeia entre tempo e espaço. É arrebatador. É meio louco. Só não sei se dá pra explicar isso ... Amar é realmente confuso.

      Excluir
  2. O amor é isso, viver embriagando-se de pedaços de carinho. Curti Curti.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nãooooooooooooooooo, essa definição de carinho e amor é ampla. Há entremeios?! Há entrelinhas no contexto?

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

I'm miss your touch - Emily Browning

A vergonha

Indignada...