"Pertences-me quando caminho pela tua memória suicida de amante condenado a perpétuo desamor" (Ana Merino)

“E como é sempre
meus olhos abertos perscrutam-te

símbolo de tudo o que me foge
como apertar o ar dentro das mãos
e querer agarrar-te
oh substância
Canto-te
Para que tu existas
E eu não veja mais nada além de ti”
(Ana Harthely)



Tanto esperei em devaneios a tua vinda, que esqueci de perceber o desgaste do que mais amei. E me despi em tantas palavras adocicadas, mornas e sedutoras, até não haver mais nada que me escondesse a alma. Nada havia além de sentimento, nada. Apenas havia um coração que batia feito louco, envaidecido de sentimentos tão débeis.

Os anos foram passando, se avolumando, e eu continuei aqui, esperando um sinal, uma senha que jamais chegaria. Havia nessa espera algum encanto, talvez por quebrar qualquer regra, barreira. Ou de tanto eu reinventar um sentimento que sobreviveu a todo tipo de tempestade. E cá estou eu, percebendo tão facilmente os pequenos limites que nunca foram suficientes, de tanto ir, extrapolou, preso está do lado de fora e querendo ficar de dentro. A pior prisão, o amar.

Há de existir alguma explicação. Um cálculo qualquer que eu tenha ignorado durante todo esse tempo. O que me fizera matar a sede de pequenos gestos, singelos. Um pedaço infinitesimal de ti, pintado em tinta guache, um fio de cabelo no desenho que eu nunca quis terminar por ficar perdida a te olhar e precisar de qualquer pretexto para refazer o mesmo desenho várias vezes.

Eu posso dizer que sei a tal matemática, e mesmo não calculando a ti, eu sabia já da existência de tantas incertezas, de erros e probabilidades. Mas não poderia levar em conta o mais obvio de nossos problemas, o equilíbrio, daquilo que lembro e do que esqueço de ti. E por tão pouco, ou tanto, aos poucos fomos vencidos pelo peso das nossas palavras, ora ditas, ora caladas. Cada qual com a sua parte, com a sua arte de fazer do outro alvo daquilo que fica dentro da gente e sente vontade de atacar o outro.


Talvez seja o mais perfeito sentimento, aquele que se inicia, tem seu ápice e aos poucos desfalece para se reiniciar em outro. E em cada novo amor há um pouco do anterior, em que vamos nos substituindo por novas formas de ser, de sentir. Deveras ser coisa de quem muito escreve de amor, como um dos suspeitos menos óbvios que se deixam carregar pelo coração, se jogam, se permitem a viver de corpo lavado, e de alma exposta ao gostar. Até onde há alguma esperança de prorrogação entre duas pessoas, até o fim do amor. E aonde termina, inicia-se o dissipar de velhos retalhos transmutados em novas colchas que nos aquecem, que nos descobrem como novo, com todo interesse de olhos que percorrem nossos corpos. Sim, isso há de ser recomeço ... há de ser...! 

“Sinta-se agora
o que se proíbe e o que se esconde
o que se insinua quando
a mão desliza pela água que o barco rompe
o que se vive quando se morre entre
uma e outra respiração.”
(Adriana Lisboa)

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