"Repara como o coração de papel amarelou no esquecimento de te amar"

“[...]
Não tenho muitas palavras como pensei.
“Coisa ínfima, quero ficar perto de ti”.
Te levo para a avenida Atlântica beber de tarde
e digo: está lindo, mas não sei ser engraçada.
“A crueldade é seu dilema…”
O meu embaraço te deseja, quem não vê?
Consolatriz cheia de vontades.
Caixa de areia com estrelas de papel.
Balanço, muito devagar.
Olhos desencontrados: e se eu te disser, te adoro,
e te raptar não sei como dessa aflição de março,
bem que aproveitando maus bocados para sair do
esconderijo num relance?
Conheces a cabra-cega dos corações miseráveis?
Beware: esta compaixão é
é paixão.”
(Ana Cristina César)

De poesia em poesia a gente acaba gastando palavras. Desgastando a alma. O coração vai virando uma metamorfose sentimental. E como tudo que há nesta vida, finda. Se não for o coração, então é o sentimento que acaba partindo. É um choque de realidade. É, talvez alguma coisa entre coração e sentimento tenha adoecido aos poucos durante todos esses anos. Sentimento que não é bem cuidado tende a estremecer, e não do jeito bom. Meus olhos antes enxergavam os teus com amor, mas de uns tempos para cá, andam cegos, míopes e carecem de cuidados. E não há colírio que repare. Eis que é o meu desastre, ter perdido um coração que se dizia amar.

Hoje eu já não lembro de ti como antes, não sei mais tantas coisas sobre seu dia, aliás eu nem sei o que se passa dentro do teu coração. Talvez eu não queira, no fundo do fardo, isso não me interessa. Dentre tantas oportunidades de ouvir apenas como tem estado, hoje me apetece o silêncio que me acompanha a solidão da liberdade.

Chegou aquele ponto do romance em que tudo se configura novamente. Eu apenas deixei o ponto final virar reticências. Levantei, modifiquei minhas vontades, e fui para longe. Não me apetecia mais cutucar uma ferida para fazer dela viva em minha vida. Não tive mais medo de ir, e isso me pareceu um momento único de lucidez. Eu sabia que não havia motivo algum para permanecer esperando alguém que nunca quis ficar. E nessa coragem, dei passos. Tirei os velhos sapatos, e descalço fui a andar cada vez mais rápido. Sentindo essa liberdade de quem tem os pés soltos no chão gelado. Tudo sente, tudo anseia. Eu ansiava a liberdade de não precisar da dor do amor. E quando finalmente percebi que não era amor, sabia que tinha sacrificado em vão, não apenas anos, mas um coração doce, e que não tinha mais a mesma beleza de antes.

Não importa bem o que aconteça, a parte importante é que tudo ficou para trás. Os meus olhos que antes te enxergavam com amor, já incapazes de reconhecer teu valor, agora enxergam o amar-se. A ida que trafega pelo verdadeiro amor, e um adeus indolor. Talvez quando você notar, eu já estarei tão distante, ausente, que vai ser impossível de alcançar. Mas a beleza da ida é assim, se deixar levar quando não se tem motivo algum para remar a favor daquilo que naturalmente é contra o sentido de amar.


Quando eu consegui esquecer tudo, percebi que tu eras o descaminho mais confuso. E que eu não fazia parte de nada. Eu apenas fui pedaço de ilusão que retira o fôlego. Por isso me refiz. E a vida se apresentou novamente como caminho para meus pés livres e descalços. 

"Porque esta ausência assimilada ninguém mais rouba de mim" 

(Drummond)

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