"A gente nunca pode julgar o que acontece dentro dos outros."

 “Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.


A chuva escorria lá fora como córrego cheio, carregando tudo que tivesse pela frente. E mesmo assim, debaixo do dilúvio, sem tampouco guarda chuva, eu fui percorrendo caminho adiante, procurando por ele, sem ao certo saber qual chuva era pior, a de fora ou a que caía cá dentro.

Tem hora que penso que eu simplesmente poderia ter tomado um rumo, um significado menos abstruso, mas se eu tivesse feito aquilo, eu jamais teria sentido um frio como aquele, ou sequer tomaria um café quente pra colocar meus pensamentos mais insanos em ordem. Por isso a sensação de ter ficado encharcada da chuva, por fora, por dentro, incluísse tanto sentido agora, porque o café tende a ter aquele efeito de abraçar por dentro. É igual a chocolate quente, mas é menos doce. É mais significativo.

A questão é que estava chovendo. A chuva era cá dentro. Ardia de frio, doía profundamente. Eu até queria arrancar aquilo que não me apetecia, mas por algum motivo, ao fundo do meu coração, já era conhecido que não haveria como arredar daquela dor. E tudo o que era passível de se fazer era prosseguir, seguindo, com qualquer pretexto que eu criasse, mesmo que falho, o importante era não parar. Talvez num momento mais sóbrio, minhas olheiras seriam menos visíveis que o meu cuidado ao sorrir, fazendo um gesto mais sincero ao equilibrar os lábios demonstrando o que eu quero desfiar, não transparecer talvez o viés da minha afobação. E sorrisse. Ainda que o sorriso fosse um tanto desgastado e amarelado.

Não sei o que se passou de um tempo pra cá, apenas sei que uma confusão tomou meus pensamentos, tudo isso misturado ao que eu não disse, ou aquilo que eu deveria ter dito. E lá, debaixo daquela chuva, sentindo meu corpo encharcado, sendo ensopado, levado, me sentia cair, iguais àquelas gotas. Eu queria voltar enlouquecidamente no tempo, pra algum momento que eu me reconhecesse diante do espelho, antes de me deixar sujar pelas páginas da minha vida que não poderiam ser amassadas e jogadas. Por algum acaso, a tinta escrita no papel afixou na minha pele, me deixou marcada além das próprias linhas no papel. Com a mente confusa, no meio daquele temporal, eu já nem sabia mais se regressava ou persistia, se partia ou se acolhia a probabilidade de outros modos menos dolorosos, estes que não estivessem ligadas ao retirar-se. Tudo o que eu tinha no pensamento era que devia conter o paralisar das minhas vontades, pois todo mundo sabe que existe um ponto na vida, que talvez a dor tivesse me feito sentir, em que a gente não comanda mais nada, mesmo que indiretamente, a gente é conduzida. Não sei se a chuva lá fora, ou a chuva cá dentro, tivessem me mastigando o peito ao mesmo tempo, tudo o que restava era aquele ponto, que depois dali, qualquer momento poderia parecer mais agradável.

Um pensamento pairou minha mente, então eu decidi, sem nem pestanejar, que algo me levava diante de uma contradança de sentimentos. E eu só tinha de seguir os passos, um, dois, três, quatro, repete. É sempre um atrevimento, e tudo o que se deve fazer é justamente isso, ir além daquele ponto, calmo, esmo, paralisado no meio termo da calmaria.



Chovia lá fora. E eu custei a perceber, que como aquele café quente esfriou ... A chuva cá dentro passou. 

Sim, eu não sabia, mas aquele era o único jeito, um sentido qualquer que me fez trombar em meio milésimo de palavras, e rebati esses mil sentidos duplicados, eu quis entender na pele, e assim o fiz. Se é que alguma vez eu tivesse ficado tão confusa, tão chuvosa por dentro, e tudo o que eu via era um simples café, numa caneca, já frio. Já sem sabor algum. Já não chovia cá dentro. Já não havia fumaça no café. Já não havia sorriso amarelo. 


“Trago no olhar visões extraordinárias, De coisas que abracei de olhos fechados..."

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