"Mas é melhor fugir de mim. Sem mais, sem dor, perto do fim."

"Como num voo sobre o mar, sempre partir, nunca ficar.”


Ela mantinha os olhos desfocados, com a imaginação dispersa. Voltava para casa no fim da tarde num sol que ardia na pele branca. Na rua oca o sol era refletido no asfalto, voltava a bater aquela onda de sol na pele. Ardia. Avermelhava aos poucos. Rubor. Ardor. Calor.

Ao chegar à escadaria da rua principal, sentou no quarto batente da escada, descansou o olhar ao longe outra vez, suportando um pouco daquela realidade. E não sendo pouco, aquele olhar meio esquecido pelo tempo, a pele parecia reclamar ininterruptamente, os ombros, as costas, o rubor na face. O que havia de se fazer? Olhou então para o lado, os olhares então, encontraram-se. O olhar desfocado pareceu desalentar-se ao se acompanhar de outro olhar perdido. Na rua oca não havia sinal de vida. Num lugar de sol tão fervoroso, pele branca era vergonha imensa. E já não importava o que adiante houvesse de vir, a insolência da diferença merecia um erguer a cabeça mesmo assim, no entanto, estar sentada naquele quarto degrau no início da escadaria, às 16:20, com aquele estranho que parecia conhecer tão bem o seu desalento. De um todo, tudo o que ainda parecia ressaltar, se salvar, era aquele momento habitual, do diferente às vezes arder literalmente.

Foi aí que o moço se aproximou em menos de 2 segundos. Quis criar uma comunicação, um trocadilho até mais quente que encarnado num sorriso adocicado, na sua fatalidade de moço tão branco quanto a outra pele logo ao lado, e trocando um simples “oi”, arrastou o corpo no comprimento exato pra ficar ao lado dela.

A menina invariavelmente abriu os olhos, agigantando, espantada. Suavemente avisou o espanto. Havia um tanto de sensação de não esperar, e desprevenida do pensar, apenas os olhares e sorrisos foram trocados.
Diante de tantas outras pessoas que poderiam estar ali, esperando a possibilidade de e permitir, de ser um complemento pro outro, lá estava a moça da pele branca que nascera pra completar o olhar do moço desalentado. Ele olhava docemente. Ela o avistava mais tímida, um pouco de lado, um tanto fascinada, outro tanto séria, mas infinitamente inquieta.

Quanto tempo se passara? O som desesperado do celular ecoou desalinhando as afinações. Ele apenas observou. Ela então viu a ligação, mas ainda assim continuou a fita-lo.
Que havia de ser dito? Nada? Na verdade nem era preciso. Não sabiam ao certo o que dizer. Mas eles haviam se comunicado todo aquele tempo. E a certeza era que através dos olhos eles queriam-se. Pediam-se. Urgente. No entanto, encabulados, surpresos, aguardavam, atrasavam-se. Voltavam a se perder um no outro.

No meio daquele sol que se despediu, ali houve compreensão e encantamento. No meio de tantas ruas, de tantas escadas, de tanta pessoas escondidas, lá estava a menina, como havia de ser com a pele branca, exposta, ele não aguentou, tocou a pele. Eles se fitaram tão profundamente, tão entregues. Instantes suspensos, ausentes e presentes, quase igual a gravidade que prendiam os pés deles ao chão, o corpo. Eles estavam ligados pelos olhos, no toque da ponta dos dedos na pele branca.

Mas ambos sequer sabiam do que viria dali em diante.

Ela, se sentindo impossível, guardando sua vida num baú a sete chaves. Ele, absorto, um tanto triste pela própria prisão de não entender o muro lá criado.

Um ônibus parou, o moço olhou rapidamente, reverteu o olhar de volta para ela dizendo “meu olhar te encontrará novamente” e entrou no carro. Ela em meio ao espanto, com tamanha mudez embargada, acompanhou-o com os olhos pretos que pareciam desacreditar daquela cena. Mas ele voltou a encontra-la. Porque uma moça de pele branquinha num lugar de sol tão quente, não seria esquecida, não passaria despercebida.


"Se a vida parece esquecer, o que rimou 'eu com você'. Não resta muito a fazer"

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