Silêncio sem compreensão (solidão)



"Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro." (Caio Fernando Abreu)

O silêncio, uma daquelas palavrinhas que nos fazem calar enquanto ao nosso redor o mundo tem um som estridente de ruídos misturados. Eu estava jogada numa dessas cadeiras de plástico, sem ninguém por perto. Pois é, não havia ninguém por perto, e eu tinha me dado conta disso. Algum tempo antes desse meu desencontro de pessoas, alguém havia dito que depois de algum tempo nada sobra além da solidão, e feliz aquele que sabe andar ao lado dessa imensidão de vazio. Olhei incrédula, mas temerosa também, isso é demasiadamente triste. Eu não poderia imaginar essa tal solidão. Sempre achei que por mais só que esteja, em algum momento, a gente encontra mesmo não procurando uma pessoa que nos faz reconhecer como um espelho, porque de alguma forma o que está por fora nunca é significante enquanto o corpo perece. Eu só não imaginava que algumas coisas a gente só aprende vivendo. 

Ele não mencionou em momento algum a possibilidade do modificar, da necessidade de presenciar e viver. Apesar de estarmos tendo aquela conversa, ele não percebeu que não estava sozinho. Ao certo estivesse tão preocupado com a necessidade do acostumar a ser só que não percebeu a presença de quem estava a ouvi-lo. Deve ser porque as pessoas nunca estão preparadas pra sentir ou mesmo entender a emoções, afinal, provavelmente ele nunca vai estar completamente só, mas não será capaz de perceber a presença do outro. Ele era bem mais velho que eu, uma diferença de mais de trinta anos, o que eu considero uma longa distância na tal caminhada da vida. Talvez seja por essa diferença que ele tenha a compostura da solidão.

Trabalhávamos na mesma instituição. Não havíamos sequer trocado uma palavra. Como  não o conhecia, limitei sempre a ouvir. Com o tempo, as mesas lado a lado, às 8 horas corridas no convívio. O que restou foi a aproximação, que claramente, ele não pareceu perceber.

Não sei exatamente o que tornam as pessoas diferentes, apáticas as percepções do que gira ao redor delas, sei somente que eu tinha partido do norte, e ele tinha saído do oeste, no entanto, não conseguia ainda perceber o que nos tornava tão opostos, ou mesmo o que realmente distanciava. Eu só chegava a uma conclusão, aquele homem não tinha nada, nem a só próprio. Isso não é totalmente verdadeiro, mas em síntese foi nesse ponto que acabei chegando.

Silenciosamente cruzamos diante da garrafa de café num dia daqueles que parecem parar. Voltamos direcionados pra nossas mesas. Aquilo parecia durar tanto tempo que me deixava irrequieta, suponho que permanecer naquela situação por mais tempo seria um suicídio psicológico, afinal aquele mundo fechado em que ele vivia não parecia nada saldável até pra quem aparentemente está de fora.

Impiedosamente, destilei minhas palavras diretamente. Zangada, chateada e com muita pressão diante da irracionalidade do permanecer sozinho num mundo fechado. Eu queria que ele percebesse que por mais fácil que fosse estar num mundo só dele, que a solidão por mais dolorida que parecesse sempre é uma escolha. É que ele estava a tempo demais recusando a existência dos outros, assim não deixava de estar só, mas preferia acreditar. Como diria a Simone de Beauvoir “Ninguém, conhece, enquanto vivo, a paz do túmulo”, é bem por esse caminho.

Depois das minhas palavras tóxicas, notei um ar pasmo saindo diante daqueles olhos verdes. Não foi das tarefas a mais simples, é um pouco ruim notar a agonia de quem presenciou a queda de uma falsa verdade criada a tantos anos, a renuncia de existir ao mundo parecia o mais correto e fato a se viver, mas eu que somente tinha alguns vinte e poucos anos de vida, que ainda tinha meus pais, meus avós, minha vida, e não sabia o que era realmente perder alguém, parecia menos lógico. Só algum tempo depois consegui entender, naquela cadeira de plástico, jogada, que a solidão que ele sentia era a de não ter pessoas presentes, mas de estar longe de quem amava. 

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