"Para amar alguém, a primeira condição é poder admirar - admirar e respeitar"

"Qualquer um que tomasse o seu lugar seria um substituto fraco. Amo você, com um amor tão grande que simplesmente não pode continuar crescendo no coração, precisa saltar para fora e se revelar em toda magnitude."



Quando paro pra escrever, é meio automática a forma como as palavras se encaixam. Diria que até cria um eco com um nome só, é como se tivesse sempre aquele mesmo barulho ressoando, igual à batida do coração, 1, 2 e 3, e recomeça. E por letras, sempre me vem o sorriso dele. No formato de encaixe exato para o contraste do restante do rosto. Quando o conheci, foi à primeira coisa a me envolver, isso me deixou completamente perdida, havia alguma coisa doce, talvez nos ângulos entre os lábios. Eu reconheço aqueles traços em qualquer lugar do mundo. E o que havia por trás daquele sorriso? Eu me pergunto a mesma coisa todos os dias.

Eu o conheci num passar de segundos, avistei, de canto de olho, e o mundo ficou meio lento. De lá pra cá, vivemos tanto. Tenho tentado decifrar, cada milímetro, sentido, intuição, subentendido. É uma linguagem diferente. É um sorriso diferente. Eu conhecia cada milímetro de nós, vontades, desejos, segredos, cicatrizes que nunca seriam esquecidas. Antes dele, eu era a Ana Lissi, depois tomei forma, de uma outra pessoa, uma outra mulher, talvez houvesse mais Lissi que Ana, ou a Ana resolveu inexistir. Mas isso parece uma daquelas coisas improváveis de acontecer, mas muito provavelmente apesar de ninguém acreditar, todo mundo espera que aconteça. E aconteceu comigo. Apesar disso, eu poderia ter observado qualquer outra coisa, afinal tenho uma facilidade tão grande de me deslocar em poucos segundos, poderia até não saber quem era aquele sorriso. Mas foi diferente.

Na décima avenida após a BR principal, onde morávamos o Filipe e eu, havia uma loja antiga de materiais em geral, coisas antigas e outras que qualquer um chamaria de velharia. Mas como ninguém dava muito valor, apresentava uma clientela pequena e restrita. Meus pais haviam se mudado para lá quando eu tinha pouco mais que dois anos.

Antes da loja ser criada, a senhora Madelaine, dona da loja, pertencia a um grupo de caridade, montando uma espécie de instituição que comprava velhos objetos e restaurava, voltando a vender, sendo o lucro dos objetos doados para o abrigo de pobres.

O Filipe e eu tínhamos 13 anos. Quando sabia que ele estava prestes a chegar, eu ficava nervosa, talvez pela presença. Num determinado dia, ele estava de camiseta branca grande no corpo pequeno, uma calça jeans velha, e um tênis preto. E como sempre, ele sorriu fechando levemente os olhos.

Antigamente eu imaginava que as pessoas eram bem mais simples, ele me mostrou o que havia depois, quando não restasse mais ninguém. Não que fosse invisível, na verdade estava totalmente amostra, mas era muito difícil ainda assim ver, que no fim, seríamos sempre um só. 

Depois de horas conversando sobre qualquer coisa que viesse na mente, o mundo meio fora de ordem, as palavras meio perdidas, embora eu não soubesse exatamente o que estava acontecendo. Olhando para a loja:
- Vamos lá? – Eu disse, meio lenta, com tom abaixo.
Apontei em direção a loja. Foi então que ele olhou e também achou alguma coisa chamativa.
Ao chegarmos
- Olha. – Lá foi ele me deixando para trás ao ver um objeto.
Ele tinha achado um pequeno cristal, pendurado em uma corrente. 
- Isso é lindo. – Disse o Fillipi.

A dona da loja se aproximou. Olhou o jovem rapaz, e sorriu. Pegou o cristal, pegou um segundo que estava logo ao lado. Colocou os dois juntos na sequência, e aproximou da luz de um abajur antigo. As cores que saíram dos cristais eram de uma beleza formidável, e junta formavam desenhos brilhosos no teto.

Dei dois passos mais para a frente olhando as cores. E me lembro, tinha azul claro, um verde escuro que partia para o laranja mais dourado, e um lilás que saltava aos olhos.
- Dona, quanto custa? – Perguntou o Fillipi.
- Custam 20 pratas cada um. – Respondeu prontamente.
- Eu só tenho 15. – Olhou de volta para mim, e disse. – Eu queria te dar um e ficar com o outro.

A dona da loja entendendo a intensão, novamente voltou a sorrir.
- Tudo bem minhas crianças, levem por 15. Fica como um presente.

Saímos da loja, e já estava anoitecendo. Ficamos sentados na escada que dava acesso a minha casa. Ele pegou o colar com o cristal e colocou no meu pescoço, lentamente. Depois colocou o dele.
- Coloca junto. – Disse, pegando uma lanterninha.

Surgiram todas as cores novamente. As figuras. Os pontos fixos.
- Aqui é o nosso ponto de partida. Nosso segredo. E se um dia, por um acaso, nos afastarmos, esse será nosso segredo e a forma de nos encontrar.
- Porque? – perguntei.
- Porque só eu tenho o cristal exato para combinar com o seu e só você tem o cristal exato para dar as cores certas aos meus desenhos.


Então, ele me deixou um beijo no rosto e foi para a casa dele. 

"Impressionante sua capacidade de me fazer sorrir. Ela é como a isca que permite pescar um sorriso dentro de mim." (Invisível ao Toque)

Comentários

  1. "Qualquer um que tomasse o seu lugar seria um substituto fraco. Amo você, com um amor tão grande que simplesmente não pode continuar crescendo no coração, precisa saltar para fora e se revelar em toda magnitude."


    Essa é a maior verdade, vendo o meu caso. Qualquer uma que passar, pelo caminho que ando, nunca será suficiente, como ela foi. Esse começo descreveu tudo.

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    1. Realmente Cassinho, quem quer que passe nunca deixa a mesma marca. É a essência. :)

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  2. Gostei principalmente da citação que está de cabeçalho! Parabéns pelo texto!

    Um abraço!
    Um guarda-livros

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    1. Obrigada Rodolfo,

      Não é um texto muito bom, mas espero melhorar com a sequência.

      Abraços.

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