"Talvez um dia, para além dos dias, encontres o que queres porque o queres. Então, livre de falsas nostalgias, atingirás a perfeição de seres"

“De tão estranho que sou de mim.

Sou eu?

Espanto-me com o meu encontro...” 

[Clarice Lispector]


Das inapetências, a pior delas é minha velha mania de reticências. Meus silêncios custam mais que talvez possam pensar. Mas que “diabos” eu estou querendo dizer? Falo do silêncio que me povoa, daqueles momentos em que eu desconheço a mim, que deixo a mim mesma em um gigantesco suspense. Isso é um tanto desgastante, ter que explicar-se a si mesma diariamente, e voltar ao looping indefinido do “afinal, quem sou eu?”. Mais desgastante é vivenciar aquilo que arde e depois adormece completamente.

Como poderei explicar? Sigam as minhas reticências ...

Eu costumo dizer que gosto da vida meio nua e crua, para senti-la em sua totalidade. Sejamos menos indigestos com as palavras e compreendam que alguém como eu gosta da precisão, e necessita estar sentindo a vida, naturalmente estar além de uma sobrevivência diária. Deve ter algum sentido para isso, mas enquanto eu não consigo entender perfeitamente, vou deixando de lado essas falácias de coisas nuas, e vou apreciando o meio termo do mal-acabado que na verdade é mais completo e áspero, portanto o toque fica sensível as digitais dos meus dedos.

O que tem feito meus passos mais largos, mais apressados, é a busca por qualquer coisa menos confusa, sem tanta dispersão, com mais cor, menos espectros, menos linhas, mais formas. E desse feitio, ao fim do meu próprio labirinto, o tempo pareça mais visível, e com acepção. Que os revides mais diretos, sem circunlóquios, e sem meias adjacências. Ao final do fardo, talvez tenha atravessado mil desertos, navegado em 7 mares, e voado por um céu inimaginável, mas o meu (re)pouso será perfeito, serei cinzas ao vento. Vou adormecer nos braços do vento, e que o tempo há de me desencontrar de onde parti e receio não poder voltar.


Na minha própria ausência, continuadamente serei a mim silenciosamente, mas deixarei de ser uma navegante a procura de respostas, a ausência não me apetecerá, mas o pressuposto será eternamente o de que aqui um dia estive, e fui para outrem alguém real. Assim, meio paradoxal, constituirei um alvitre, serei ausência lembrada. Eis assim um desaparecimento, daqueles que a dor é infinitamente qualitativa, e menos amarga. Vou recomeçar a mim, porque nada nessa vida é por acaso, ainda que o acaso pareça povoar, é tudo finamente tecido numa rede perfeita de situações conectadas para um final esperado e não necessariamente ansiado. Lá, onde eu ainda não conheço, serei (re)começo, vou substantivar-me, e assim serei mais minha. Serei indigente. Sobra. Conteúdo. Definitivamente indescritível e não menos encantadora. Nesse momento, enfim portadora de mim, serei completa e repleta de quem sou, sem falácias de coisas nuas, sem precisar calar-se. 


“Antes um vazio imperfeito, uma
ferida sem lugar que nenhuns lábios,
sequer os teus, saberiam calar.

Fizeste, já disse, vinte e quatro anos.
Não esperes grande coisa da felicidade.”
[Manuel de Freitas]

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