O assalto


A noite parecia se avolumar, escurecia como se o sol estivesse sendo engolido por um alento superior. Ao olhar ao redor achou melhor encontrar o caminho de volta pra casa. Estivera perdido demais olhando aquelas casas por onde passava e lembrava-se da Lavínia. As copas das árvores meneavam junto com um frio que penetrava na espinha. Era assim como ele se sentia, algo voando por impulso. Apenas por voar. Ora se sentia uma flor esmagada por um pneu de um carro, por ter caído da árvore e desaprendido a fluir com o vento, ora se sentia um floco de neve que parecia cair no chão e derreter.
Então, nos passos atrapalhados, chegou em casa. A velha porta azulada, já castigada pelo tempo.
Antes que tocasse a maçaneta, ela girou lentamente. Ele ficou parado alí, apoiado nas pernas e com os olhos vidrados sem acreditar.
- Posso... entrar? , perguntou.
Ela assentiu, e comentou logo em seguida:
- Sim, essa não é sua casa?
- É, é. (meneando a cabeça, perguntou num tom irônico) E você agora aprendeu a assaltar casas alheias?
Entrou em casa, fechou a porta e apontou o sofá pra que ela sentasse. Jogou o casaco na poltrona e sentou. Lavínia sentou, e soltou um riso de canto de boca, riso o qual deixou Murilo Castelli desesperado.
- Não, Murilo, eu não assalto lugares, aprendi a roubar apenas corações.
O Murilo engoliu seco, como se fosse rasgando por dentro.
- Então?
- Você sabe o porquê de eu estar aqui!
Involuntariamente deu de ombros e coçou a cabeça.
- Sei?
- Não se faça de bobo, o coração tem mais força do que você pensa.
- Mas eu não fiz nada.
- Será que não? Por você realmente nada passaria de um momento não é?
Havia um ressentimento, que não estava nada escondido, isso parecia ecoar dos olhos, boca, gestos e pensamentos da Lavínia. Isso tudo deixava o Murilo muito desconcertado, assustado mesmo.
- Ahh Lavínia, eu ... eu tenho medo.
- De mim?
- Não! É medo de perder você.
- E porque você me perderia?
- Não quero falar sobre isso, sempre que começamos esse tipo de conversa acabo por ser grosso.
- Então não seja! Vai fugir pra sempre dessa conversa? Vai fugir de mim? Queres continuar sofrendo?
- E como é que você sabe que estou sofrendo? O que é que você sabe? Você não tem que se meter!!!
- E porque eu faria isso se tudo o que está acontecendo tem haver comigo?!
- Não, você não tem!
- Chega a ser patético eu me preocupar com quem não quer ser ajudado.
Levantou num sobressalto, saiu como um relâmpago e bateu a porta com muita força.
Ele permaneceu sentado, se sentindo um pobre miserável que acabara de perder a oportunidade de ser feliz. Ele pensou que ela estava certa, ser feliz não era pra ser um problema. Ainda assim, se sentiu como uma vítima. Olhou pra porta esperando que por algum motivo ela entrasse novamente, mas nada aconteceu. E decidiu que as coisas iriam mudar. 

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