O fim



Diante dos traços do destino, das promessas que fizera pra si mesma, e envolta do pouco que ainda tinha, decidira se despedir. Havia a necessidade de falar o que ficara preso na garganta. Era preciso falar, mas não da forma como imaginava.

Ela teceu toda a história com lágrimas. Era o fim. Não estava colocando culpa em ninguém, até porque não havia um culpado. Até ela mesma havia sido vítima das escolas que fizera. Não foi apenas por sentir-se atraída Vinicius, nem por não ter algo em comum com Agenor (até porque eles não brigavam), nem por ciúmes. Nenhuma dessas causas era o motivo. Mas ela sabia.

Fora por medo.

A Lavínia alucinada pela vida perdera o brilho, perdera as forças. Sobrara apenas a inexplicável mulher, que encantava. O coração dela ainda batia. Mas o olhar não tinha mais brilho, o sorriso também perdera a força, talvez porque o que ainda a fazia sobreviver era somente o existir.

Sentindo-se morrer aos poucos, resolvera escrever. Se permitir explicar. E assim fizera num papel antes branco, rabiscos de fraqueza. A Lavínia inexplicável deixara-se conhecer.

“Querido, Agenor

Eu sei que a gente tem mania de se acostumar. Mas não era pra ser assim. A gente deixou que as coisas tivessem um rumo solitário, talvez por termos medo. Você sempre sentiu medo das minhas dúvidas, das minhas inquietações. E com razão. E eu sempre senti um medo absurdo de não te fazer feliz.
É aquela velha situação. O acostumar pra não sofrer. Eu me deixei afastar de ti, do seu sentimento, do seu amor, das minhas dúvidas, de minhas raivas, de teu abraço. Encontrei no Vinicius um carinho que eu sabia o fim. Que eu conhecia. Com você tudo sempre fora imprevisível. Era tudo muito forte, e eu não gosto do descontrole que eu sentia apenas por chegar perto de ti.
Confesso, sou insegura quando falo de ti. Eu aprendi com a Lavínia louca que sempre é mais confortável deixar as vontades comandarem tudo, porque vem e na mesma velocidade esvai, amar não é tão simples e fácil. Você sabe o que sentimos, foge a esta regra de preservar o coração.
Existe outro ‘porém’. Quando a gente deixa guardados sentimentos, eles funcionam como uma espécie de dispositivo contra nós mesmos. O que fica escondido mais profundamente e abaixo do campo de visão sempre é mais perigoso do que aparenta. Funciona como uma onda do mar que vai chegando próximo da superfície, e vai aumentando a força e tamanho. Até que toma conta de tudo e deixa a devastação. Foi assim com o Vinicius. Nunca houvera amor. Por isso viera a exaustão com o decorrer do tempo, houvera comparação. Houve ressentimentos. Tudo veio a desabar sobre mim, e por hoje me permiti estar aqui te escrevendo minhas ultimas palavras.
Naquele dia que te avistei de longe senti minha ultima parte se quebrar. Me senti morrer. Fui a tua procura, por saber que minha vida estivera em tuas mãos todo esse tempo, mas você não tinha como cuidar. E por sofrer tamanha decepção, deixara-se afastar. E eu cometi um dos maiores erros. Acostumar.
Eu sei que se eu pudesse voltar atrás...!? Sou assim, não existe uma palavra pra explicar. Não sou boa para as pessoas. Sou como um cigarro. Você compra o veneno sabendo o mal que faz, mas se permite por algum motivo se enganar. Eu sou complexa na minha inércia desregular. Faço promessas válidas por um minuto. Deixo que as pessoas entrem na minha vida, mas não permito que façam parte dela. É sempre assim. Sou confusa e confundo. E amo. Odeio. Reclamo. Faço drama. No meio de todas essas confusões, eu não paro pra pensar, não existe tempo. Porque até o tempo é cumplice das minhas loucuras.
Eu apenas quero me despedir. Sem beijos. Sem troca de olhares. Sem intenção de ser perdoada. Quero apenas sentir nossa antiga cumplicidade, porque me restam poucos minutos. Eu não espero que me entenda ou que venha até mim. Eu só posso dizer que nem eu mesma me entendo, por algum motivo eu sou assim, tenho facilidade de analisar tudo que não parece comum porque eu não tenho nada de comum. Sou propensa a insanidade.
“Espero que seja feliz ao lado de quem cuida de ti como eu não soube cuidar”.


Ao ler a carta fora a procura de Lavínia desesperado. Mas chegara demasiadamente tarde. Viu ali no chão as quatro Lavínias mortas. Corpo frio. Pele sempre branca, com uma diferença pequena na cor dos lábios que já não eram mais tão vermelhos.


Sentiu pela ultima vez a pele já fria. Chorou. Sentia-se culpado e frustrado. Ainda a amava. Ver a morte da mulher que ele amou a vida inteira era doloroso demais, a distância deixara de ser apenas corporal, a distância tinha um abismo maior.

A Lavínia foi morrendo aos poucos da forma mais triste que existe. Afastou-se de tudo. Sentiu na loucura a necessidade da nada sutil sanidade. Sentiu o sonho quebrar-se em pedaços de ilusão. A realidade ficou demasiadamente exposta e por fim tivera seu coração morto. Não havia mais Lavínia alucinada, apaixonada, inexplicável ou mesmo a despudorada. Perderam-se as quatro no fio da vida.

Vendo o fim, o desespero se apegou ao corpo de Agenor que escorregara na parede chorando. Sentiu uma onda de agonia deixando atravessar alma afora. Aqui jaz no olhar, na respiração, no sentir e em tudo, Lavínia fazia parte dele porque diferentemente dela ele deixara que ela entrasse na vida dele e fizesse parte. E agora, parte da vida dele é que havia sido levada. 

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