A perda


Passados os dias, rotina inteira pela frente. Murilo tinha 11 anos quando na loja de discos, a tia perguntara: ”não sei se é do seu gosto, mas quer este?”
Olhando a profundidade da capa avermelhada, meneou a cabeça positivamente.
Eram dias comuns, que depois de certo tempo se tornariam um verdadeiro inferno, e ficariam retrocedendo como cenas mal feitas de um velho filme de terror, mas cheio de drama, com os gritos alarmantes, porém insonoros. O céu escuro deixou aquele dia ainda mais estranho.
A tia passou o cartão e entregou o disco ao menino, que jamais imaginara que aquelas musicas iriam ser parte da trilha sonora dos dias mais dolorosos da vida dele. Estivera sóbrio a maior parte do tempo, e ao lado da Lavínia. No entanto, eles se tornaram apáticos, e ela fora definhando.
Sem saber o que houvera e o que fazer, fora observando inutilmente o fim. Ela fora a primeira que realmente amou, com profundidade e simplicidade. Havia sido um tanto patético e sentimental. Cuidara dela com todo o amor que possuía, mesmo não sendo  o suficiente ou mesmo, sendo o que havia de melhor e que não era o bastante. Ao lado dele estava um velho amigo, que sentia uma dor tamanha, confusa e por algum motivo parecia entendê-lo.
Juntos, acompanharam o fim da beleza que se perdia para o eterno existir, porque ela estaria ali pra sempre, mesmo sem presença. Era notável a dedicação.
Na volta para casa um menino que deveria ter seus dez anos, olhando minuciosamente, perguntou: “O que há?’. Os olhos dele desceram direcionados para o chão.
- O que há contigo?
Ele deu de ombros. “Nada, só vazio”
- Mas... (tentou interromper e entender a resposta confusa, mas fora cortado por Murilo)
- Sabe quando se tem um brinquedo, que a gente tem, mas quebra e a gente tem que jogar fora?
- Sei, o seu quebrou?
- É quase isso.
O menino continuou esperando a hesitação findar e a resposta ser completa. Então, Murilo pronunciou as palavras:
- Quando eu tinha a sua idade, eu ganhei um presente, e guardei durante muito tempo comigo.
- E o que era? (perguntou curiosamente)
- Era um disco de uma banda americana. Eu ouvi todas as musicas desse disco religiosamente durante dois anos antes da banda fazer sucesso lançando um novo. E eu quis muito ter em mãos o novo. Guardei um espaço entre todos os outros discos, mas não era um espaço qualquer, era como um altar. Esperei aos poucos pra ter ele em mãos. Porém, o tempo demorou a passar e justamente quando eu consegui tê-lo, um acidente fez com que ele quebrasse, sendo uma cópia limitada, não haveria mais um jeito de encontrar um novo. Foi isso que aconteceu.
- Você está assim por causa de um disco? Só isso?
- Não, eu estou assim porque eu guardei um espaço esperando que este fosse preenchido, mas não será. Posso colocar outros discos, cds da mesma banda, mas não será a mesma coisa. O espaço sempre vai ser do disco, porque o reservei para tal, e mesmo assim haverá sempre o espaço vazio. Eu não estou chorando pelo disco, choro pelo vazio que está em mim, porque perdi a mulher que mais amei a vida inteira.
- Está triste pelo disco ou por ela?
- Pelo vazio, só me sobraram às lembranças, assim como a musica do disco que tenho no cd. Porém, nunca será o mesmo.
O menino compreendendo a dor do Murilo assentiu com a cabeça e sorriu proferindo um verso: ‎"Importa, porém, caminhar hoje, amanhã e no dia seguinte". Murilo assentiu com a cabeça, e caminhou até a porta que ao longe o menino avistara se fechar. 

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