A visita



Escutou um barulho como uma escala completa de tríades que se repetiram três vezes “pam pim pom”, aquele ruído pareceu conhecido, e então acompanhou os ouvidos com os olhos, seguiu diretamente e com a voz imitou o som que voltou a acontecer. Olhou para a porta a observando ainda da mesma cor e com aspecto velho. Observou que do outro lado batiam e tocavam, chamavam o nome repetitivamente “Murilo, abre a porta cara, preciso falar com você”. Nesta voz era possível notar tamanho desespero, angustia, preocupação.

O corpo dele ainda tão fraco, se apoiando nas finas canelas, com dois passos se aproximou da porta, movimentou as mãos numa lentidão daquelas que fazem da distância pequena se tornar longos quilômetros, e foi vencendo a distância. A voz repetiu:

- Abre a porta, por favor, preciso saber como você está.

A mão tocou levemente o trinco, foi virando, virando e virando. Então, falou com a voz baixa e esvaída.

- Já vou.

Abriu a porta, e com os olhos doendo, viu primeiramente uma sombra, depois os olhos pareceram enxergar melhor, um homem, de olhos cansados, barba quase completamente branca. Deu um paço pra trás, mas ainda não conseguiu reconhecer traços, fazer a avaliação de quem era aquela criatura que adentrava seu local de introspecção. Aquele homem parecia velho, cansado, com uma curvatura da idade sobre as costas, óculos velhos e com muito grau. Do lado havia um espelho, em que pode se observar, e então, sentiu pena da imagem que se refletia. A camisa que a dias não trocava, a barba por fazer, os olhos com olheiras profundas, calças amassadas. Olhou de volta pra aquele homem, reconheceu aquele rosto no dele, então falou:

- Entre, papai.

O homem entrou naquele lugar todo escuro. As luzes todas apagadas, como se tivessem que esconder algo terrível. Então, apontou para o velho sofá como se mandasse sentar e sentou no que estava de frente.

- Preciso falar contigo, podemos?

- Sim, sim. (disse com a voz baixa).

O pai levantou, acendeu a luz, e voltou a sentar, mas dessa vez ao lado do filho. Olhando fixamente pra ele, notando a situação em que ele se encontrava. Tamanha tristeza que se transfigurava nos restos do que ele já fora um dia. 

Enquanto erguia a sobrancelha, como velho costume já tão conhecido por Murilo, começou a pronunciar: ”filho, a gente sempre esquece na vida que ela é imprevisível, e então, nos acomodamos aos acontecimentos do dia a dia, sem esperar que tudo possa vir a ser pó. Acho que eu sou parte da tua vida, e quero me fazer importante nesse momento, não quero te deixar só”.

- Que? (perguntou um pouco ausente, então curvou-se).
- Murilo, você sabe o que a vida quer de ti?
- Hã?
- Estou perguntando se você sabe o que é que tua vida quer ou reserva pra ti? Se acha que tens que se culpar ou sei lá?! O que você acha que deve fazer agora?

Murilo curvou o pescoço um pouco mais pra baixo, como se houvesse necessidade de não mostrar-lhe as lágrimas que vinham, uma após a outra, de forma ininterrupta. Achava no fundo que a vida era uma coisa banal, ridícula se não havia mais sentido se ele perdera a parte mais importante que havia na vida dele.

- Eu não o sei dar essa resposta. Não sei mais nada. A vida é uma coisa ridícula (chorou compulsivamente).
O pai decepcionado meneou a cabeça, olhou profundamente pra o filho, e o abraçou como se tentasse dar coragem pra quem já não tinha mais nada a perder, como um preso que estava a espera da cadeira elétrica.
- Ridícula? A vida não tem nada disso. Algo ridículo é a tua tia Mariêta. Ela está tão velha e ainda pinta os lábios na tentativa de parecer mais nova.
- É? Não sei.
O pai levantou, como se quisesse mostrar ao mundo a um cego que podia pela primeira vez experimentar as cores.
- Olha meu filho (levantou os braços como quem abraça o mundo). É isso. A vida é como uma parede. Você vai colocando as coisas nela, e aos poucos ela vai ficando bonita, enfeitada e charmosa.
- Pelo amor de Deus. Pai, o que o senhor está querendo me dizer? Que eu tenho que sair comprando coisas, fazendo coisas que eu não gosto? Seja direto!
- Calma (falou o pai perturbado com a resposta tão agressiva do filho).
- Responda logo, pra que você se deu o trabalho de vir aqui?
O pai fez um gesto com as mãos como se ordenasse que ele se calasse. Saiu um suspiro profundo que partira dos dois. Ele colocou a mão no ombro do filho, apertou e com um sorriso empoeirado e um olhar por trás daqueles óculos velhos completou os pensamentos:

- Meu filho, a vida é como a parede, você coloca coisas, aprendizados, presentes e faz da parede mais bela. Na tua vida é igual, você coloca marcas, pensamentos, coisas que aprendeu, sofrimentos vivenciados, lembranças, e isso faz de ti alguém que cresceu e aprendeu a dar valor a novas coisas. Isso torna tua vida mais bela, mais cheia de esclarecimentos.

Não me juga, nem repreenda. Eu também já errei, sofri muito também. Sei a dor que está sentindo, porque também perdi a mulher que amei durante longos 27 anos. Porém, hoje me sinto um homem que viveu aquilo que tinha pra viver.

- Mas pai, eu não vivi tudo o que tinha de viver. Não com ela.
- Viveu sim. O destino não erra. Vocês só não podem estar presentes na vida do outro por agora.
- Não me conformo, ela tinha que morrer justamente quando tínhamos nos entendido?
- Meu filho, ela tinha os motivos dela, com toda a certeza já sabia que estava prestes de partir.

O filho pareceu compreender detalhes, verdades que ainda não tinha conseguido ver. Então sofreu, chorou. Mas agora, tinha um colo. O pai. 

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