"Nem mesmo a angustia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito."
"Pesa
como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da
solidão no meio de outros."
Com os pés suspensos na
água gelada, naquele momento, o mundo parecia uma extensão do uivo do vento
frio. As árvores balançavam numa contradança eloquente com a força da voz
barulhenta que alcançava as pequenas folhas. Aos poucos a temperatura diminuía,
e o céu escurecia para um tom acinzentado.
Ninguém compreendia a quietude
do tempo como a Elena. Aos 15, ela compreendia a ondulação entre vazios e
complementos, ausência e permanência. Ela ansiava tantas vidas, tantas
escolhas, sonhos. No entanto, a solidão era sua companhia, e acostumada com as
quatro paredes, tentava ser invisível.
Um dia isso pode mudar,
quem sabe amanhã, ou depois. Todo mundo pode ter o inesperado nas mãos. Mesmo
que com ela sempre tivesse sido diferente.
Uma batida na porta
surpreendeu a Elena. Ergueu o rosto diante da porta e observou o pai e o João
entrarem.Seria clichê falar como
era complicada a descrição da sensação que o João causava. Eram amigos fazia
algum tempo, mas começava a ser complicado estar perto. Faltava ar. Parece que
o oxigênio era totalmente oxidado por uma combustão imensa.
- Ahh, oi? - Disse Elena.
Então, ele olhou da
forma que sabia, e sorriu. Sorriu como sempre. Como só ele poderia sorrir.
- Oi. Posso entrar? - Disse joão.
- Juizo – disse o pai,
adiantando a conversa.
Elena levantou do coxão
que estava sentada. Com um rosto sereno falou:
- Pode entrar, e quanto
ao senhor, papai, acho que um voto de confiança seguido de uma falta de
compostura pode ser seguido?
O pai sorriu. Todos se
entreolharam. A verdade é que foram olhares compartilhados, compreensíveis. Ambos
sabiam muito bem das reações.
- Tudo bem, pequena –
disse o pai.
Mais tarde, quando o
João havia ido, a Elena continuava escrevendo. Fez um pequeno poema, em
pequenas palavras, extensas frestas, sentimentos. Quando finalmente terminou a
estrofe final, eram quase 5 da manhã.
Os dias pareciam
demorar-se. Mas por fim, era a hora de ir ao sarau. Sentou-se no último batente
para criar uma espécie de coragem. Não conseguia evitar a sensação da ansiedade
tomando conta do corpo antes de ter seu poema recitado.
Quando finalmente criou
coragem de levantar, ouviu um barulho. Levantou numa rapidez, desceu depressa.
O carro buzinou.
- Vamos Elena? – o grito
do João ecoou dentro dela.
Ao chegar ao local. Os
convidados se acomodavam. Elena viu as pequena tochas serem acesas. Então
começaram as apresentações.
O espaço pequeno entre
aqueles desconhecidos e conhecidos num mesmo lugar, os mesmos olhares e ouvidos
preenchidos com similares ruídos. Ainda assim, estranhamente, ela se sentia tão
distante. Quando foi chamada, e o ruídos das vozes baixaram, Elena respirou
fundo, e com dificuldade de concentrar-se, começou recitando:
“E o amor,
Desgaste de alma,
Desgaste de minha quase
paz.
Despido nessas
palavras,
Amortecido pelas minhas
lágrimas,
Te encontre,
Te encante,
Faça-me porto.
Da pele,
Dos poros,
Deixa correr o coração,
E nada mais,
Nada.
Deixe que tua mente
tome conta,
Há uma de mim,
Por fora,
Que não sabe seguir
tuas regras,
Que não sabe ser sua,
Mas é submissa.
Reinventa-se desse amor,
Que altera a própria
compostura,
E transborda,
Desprende,
Finda os limites.
Não te compreende a prisão,
Apenas aceitação da loucura,
Do amor preso,
Peso.”
Ao fim, Elena, sentindo
o corpo jovem, com uma alma velha. Olhou e sentiu os aplausos acalentarem sua
dor. Então saiu do palco diretamente para os braços do João. Jogou-se no ombro
dele. E chorou. Como nunca havia feito em público. Ninguém entendeu, mas
ninguém perguntou. E findou mais um dia comum. Um dia depois do outro.
“Não, não é meu: é de
outro esse machucado. Eu nunca o teria suportado. Então pegue o que aconteceu,
esconda e mantenha enterrado. Afaste a luz... Noite.”
(Anna
Akhmatova)
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