O mudo final...

Faltam-me palavras. Estou me silenciando diante do silêncio a minha volta. É como se tudo estivesse longe, ou talvez eu estivesse longe de tudo. Como se o interesse tivesse sido perdido, apesar de eu saber que eu não perdi.
"Eu diria que não vejo nada e que não sei.
Algo está suspenso. A hora repousa.
Eu quero estar vivo como uma ferida, como um signo,
não mais do que um rumor de coisa nua.
Neste momento nada é confuso nem opaco.
Os labirintos são trémulos, transparentes.
Dir-se-ia que atravesso um jardim e toda a vida
repousa entre as forças de cinza
e o fulgor da chama. E adormeço
sentindo a beleza e o tempo, o mesmo arco
iluminado."

Não possui matéria viva suficiente. Não tem dentro. A custo um único resquício buliçoso: os olhos. Eles atraem o olhar de sua vítima e, nele, fixam-se. Invadem-na, devastam-na, devoram-na.  Sua função, não é somente ver, é sorver-lhe a alma. 

O fim não é imediato. Tem-se, antes, o deslustre, a apatia mordaz. Como lâmpada que perde o brilho, a vida vai se esvaindo, aos poucos, do corpo inerte. No desenlace, uma fugaz centelha anuncia o último suspiro. Cumpre-se o vaticínio: enluta-se o sonho e a carne se desfará.

Regala-se sobre as cinzas. Perpetua-se de forma expirante pela soma de tudo que foi perdido. Almeja a transição inversa, quando não mais será apenas um amontoado de sobras funestas.

[...]
ó sabor antes de mim,
ó quando eu não sabia e tudo em mim sabia,
ó noite, ó espessura, ó outra vez a noite,
outra vez esse sabor submerso, esse sabor do fundo,
esse sabor bem longe, esse sabor total,
esse sabor onde sinto a terra num só gosto,
esse sabor original, fonte de todo o sabor,
surto submerso,
ó único sabor.  

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